terça-feira, 1 de outubro de 2013

DEIS SP - O Adeus de Fabio

- Deixa eu ver se entendi. Vocês lutaram contra uma criatura que fazia um casal de idosos como marionete, dava dor de cabeça e tinha um jatinho particular?

Hans já havia contado a mesma história umas sete vezes. Precisava agora descansar e se recuperar do trauma pela imagem da filha. Raquel ainda fazia uma compressa de gelo na cabeça, tanto pelos ferimentos, quanto pelas tentativas da criatura invadir sua mente. Ainda piadista, Fabio se mostrava mais maleável quanto aos assuntos tratados. Mas não por sua mudança de opinião, e sim por querer ser promovido, ter seus esforços reconhecidos pelo governador. Estavam os três membros do DEIS São Paulo na sala oficial do departamento, uma cena rara desde o início de suas atividades. Cada um ocupava uma poltrona, exceto o ex-delegado, que estava deitado no sofá.

 - Diga-me, Fabio, por que está aqui? - desta vez foi a única mulher da equipe que tomou as rédeas da situação.

 - Ora, estou porque me mandaram. Não gosto daqui, mas tenho que seguir ordens.

- O que o motiva a participar deste projeto?

A pergunta não foi respondida. Fabio, pela primeira vez, estava sem palavras, ou piadas. Tentou contornar, em vão, a situação.

- Quem você pensa que é? Sherlock Holmes? – Fabio ainda pensou, mas não chegou a dizer uma palavra, sobre como Raquel estava envolvida com o novo emprego. Aceitava as ordens de Hans cegamente, colocava a vida em risco em prol de algo simplesmente desconhecido pela maioria das pessoas.

Hans interrompeu a discussão ao pedir silêncio. Estava ao telefone com o secretário de segurança do estado. Pediu sete dias de descanso remunerado para cada membro do DEIS. Foi prontamente atendido. Dali a uma semana estariam de volta, com a cabeça voltada ao trabalho, e com novos casos a solucionar. Antes de deixarem a sala, Fabio, tratou de provocar o irlandês. “E você, qual sua motivação?” com um sorriso amarelo, Hans respondeu: “No tempo certo, saberá”.


Após uma semana, o celular de Hans foi ligado novamente. Estava mais sorridente. Havia passado alguns dias na praia, e aproveitou para conhecer melhor a maior cidade do Brasil. A primeira chamada em sete dias indicava um novo e complicado caso. Ataques de zumbis eram registrados na pequena cidade de Serra Negra, famosa por seus pontos turísticos. Fabio mostrou-se preocupado, pela primeira vez em semanas. “Serra Negra? Minha mãe mora lá” disse a Raquel. Cabia a Hans agora treinar seus companheiros contra tais criaturas.

- Esqueçam Resident Evil e aquele filme com o Will Smith. Zumbis de verdade são muito mais perigosos, ágeis e fortes. Teremos que atacar sempre à distância, evitar confronto corpo a corpo. Fiquem sempre com mais de uma arma disponível.

Como de praxe, chegaram à cidade ao entardecer. Foram direto a um dos bairros com maior número de casos registrados. Lá chegando, se depararam com casas aparentemente abandonadas, sons que pareciam uivos (mas Hans explicou que eram os sons dos zumbis), escuridão e ruas desertas. Fabio admitiu estar com medo, e tratou de segurar a arma, mesmo os três estando dentro do carro. Hans quis descer para averiguar e colher indícios das criaturas.

Silenciosamente, entrou em uma casa, que estava com a porta aberta. Controlava a respiração para que fosse a mais discreta possível. Procurou pela sala de estar, onde os móveis estavam revirados e tinham marcas de luta. No chão, algo que parecia ser um braço humano. Hans quis pegar o membro, pois seria a prova da existência dos zumbis (também para esfregar na cara de Fabio), e de que se alimentavam de pessoas. Ao se aproximar do pedaço de carne, ouviu um grito, como de um animal protegendo seu território. Levantou a cabeça e se viu cercado de zumbis. Mesmo escuro, pôde contar oito deste tipo de ser. Não teve dúvida, atirou o máximo que conseguiu e correu em direção ao carro.

Assustados com os tiros, os outros dois agentes gritavam para Hans correr mais depressa. Era possível ver ao longe uma multidão correndo em direção ao carro. Tão logo entrou no veículo, o irlandês gritou para dar meia-volta e atirar. Como só tinham pistolas, os tiros eram escassos e inúteis. Na fuga, alguns zumbis chegaram a ser atropelados, trincando o parabrisa e amassando a lataria. Fabio estava suando, com os olhos arregalados. Pediu para irem até o bairro de sua mãe, buscá-la. Seu pedido foi aceito.

Em alguns pontos, a luz dos postes estava normal. Em outros, a voltagem era tão fraca que dava uma sensação fúnebre. Raquel tentava controlar seu medo, pois se sentia culpada por não ter ajudado Hans uma semana antes. Se não fosse sua dor de cabeça, talvez teriam conseguido capturar o ser estranho na chácara dos velhinhos. Se tivesse sido mais forte, mais resistente, a credibilidade do DEIS São Paulo fosse maior, quem sabe até com aparições na imprensa. Já seu colega estrangeiro se preocupava em montar a única metralhadora que haviam levado; sentia-se culpado por não trazer um armamento mais pesado, apesar de saber da dimensão dos perigos. Sugeriu passar em algum posto policial para pegar fuzis, ou semelhantes, e Fabio, agora conduzindo a viatura, atendeu ao pedido.

Pararam em uma base da Polícia Militar. Abandonada, tinha luzes em curto, que piscavam, dando uma impressão tenebrosa ao local. Raquel entrou na base, com Hans dando cobertura, e Fabio no carro. O silêncio era perturbador, apenas a respiração ofegante da moça quebrava o aspecto inóspito do lugar. O armário com as metralhadoras estava ensanguentado. Provavelmente, os policiais foram atacados quando buscavam se defender. O cheiro de carne em estado de decomposição podia ser insuportável em alguns momentos, mas ali era necessário ignorá-lo. Raquel arrombou a porta de aço, com um barulho que deixou Hans em alerta, pegou o que podia e voltou correndo ao carro. Assim que fecharam a porta, ouviram ao longe os gritos dos zumbis. Eles estavam seguindo os três agentes.

Fabio não dizia uma palavra, mas não considerava haver zumbis. Pensava em inúmeras possibilidades, como uma milícia, ou uma gangue que resolveu tomar o controle da cidade por meio da violência. Traficantes também eram uma hipótese. Mas o bem-estar de sua mãe o corroía, considerando que a cidade estava devastada. Estaria ela machucada? Escravizada? Ou fora mandada a alguma cidade vizinha? A resposta seria dada ao chegar na casa onde Fabio passou a adolescência. As ruas seguiam desertas, mas naquele bairro as pessoas ainda não haviam fugido, e a chegada da viatura comprovou isso. Ao ouvirem o barulho do carro, os moradores foram para fora de suas casas, com armas em mãos. Fabio viu sua mãe e correu para abraçá-la.

- A senhora está bem?
- Meu filho, saia daqui, eles estão vindo, mais uma vez.
- Eles quem? Vamos, vou te levar a um local seguro.

Enquanto Fabio chorava ao ver sua mãe sã e salva, Hans orientava os moradores a conseguirem caminhonetes e vans, e evacuar o local. Não havia muitos, talvez 30. Rapidamente os sobreviventes explicaram que nas duas últimas noites houve ataques à região, matando várias pessoas. Não fugiram pois as saídas das cidades estavam tomadas. Água e luz foram cortados, o estoque de comida já estava no fim. Raquel achou estranho o DEIS ter conseguido entrar na cidade com tamanha facilidade, dada a informação do bloqueio aos acessos, mas prosseguiu na busca por veículos e combustível.

- O caminhão vai à frente, apenas com três pessoas. Ele servirá para abrir o espaço necessário. Não hesitem em atropelar as criaturas que aparecerem no caminho. Logo atrás, as duas peruas irão com metade da capacidade, para ganhar velocidade. Vão, não esperem mais um minuto sequer – Hans se alegrou ao ver os sorrisos das pessoas, em virtude do alívio de poderem sair daquela situação.

A mãe de Fabio iria na viatura também. Quis pegar alguns pertences pessoais, o que atrasou a retirada dos agentes. Esse erro seria fatal. Os zumbis que estavam seguindo-os desde a base da polícia chegaram ao local, cercando a casa. Com metralhadoras em mãos, os três começaram a atirar. Mas ainda assim a quantidade de criaturas só aumentava, aumentando a tensão da situação. A mãe de Fabio tentou ajudar o filho, jogando garrafas de vinho com panos em chamas em direção aos zumbis. As pequenas bombas surtiam grande efeito, abrindo um caminho até a viatura.

Mas as criaturas perceberam a ameaça que a senhora representava, e passaram a cercá-la. Fabio tentou puxar sua mãe para perto, porém um dos seres segurou a perna dela, e a arrastou até um canto. Gritando muito, o agente correu até os dois, e viu o zumbi rasgar a garganta de sua mãe. Durante segundos, Fabio olhou a criatura. Não era humano, tinha olhos vermelhos, pele branca, sem pelos. Era muito mais forte e ágil do que qualquer atleta. Somente os tiros de fuzil que ele tinha em mãos era capaz de eliminá-la. E o fez, atirando muito além do necessário. Hans, percebendo a situação, tirou do bolso uma granada que Raquel havia pego na base da polícia e jogou-a aos zumbis. A explosão abriu um bom e temporário caminho até a viatura. Pegou Fabio pelo braço, com Raquel dando cobertura, entraram no carro e saíram em disparada.

- Aquelas pessoas não eram normais! – Fabio repetiu esta frase algumas vezes até se conscientizar, chorando copiosamente, que seres sobrenaturais haviam tirado a vida de sua mãe. Agora tudo fazia sentido: o trabalho do DEIS, os casos que enfrentavam, os relatos estranhos de seus amigos.

- Fabio, hoje você perguntou a minha motivação. Pois bem, zumbis como estes mataram a minha filha, dois anos atrás – Hans pegou o rádio, e solicitou a helicópteros que jogassem bombas nas regiões norte e oeste de Serra Negra.