terça-feira, 4 de dezembro de 2012

DEIS SP - Mortos sem sangue Parte 2


Na noite seguinte, apenas Raquel e Hans estavam no local. Fabio pediu para investigar durante o dia, entrevistar moradores, juntar documentos e fotos para o relatório a ser enviado ao governador. Foi autorizado por Hans, com a condição de que deixasse sua automática com o irlandês, usando assim apenas a pistola de prata.

Raquel não dizia uma palavra, mas se sentia mais calma em relação à noite anterior. Sentia-se inútil, nada fez diante da criatura responsável pelos ataques. Hans não havia comentado sobre o incidente, e estava com um comportamento mais frio em relação à moça. Em determinado momento, o celular de Raquel tocou, assustando os dois policiais. Era Fabio.

- Fala pro gringo que eu fiz um mapeamento dos ataques. A localização das casas forma um círculo em torno de um casarão. Estive lá e não havia uma alma penada, hahaha. Mas me surpreendeu que na parte de trás deste casarão tem umas grades, parece um calabouço, uma prisão.

Hans decidiu seguir para o tal casarão. A rua estava repleta de carros, e dentro do local parecia haver uma festa. Desta forma, uma abordagem policial poderia gerar um tumulto, então deixaram para depois. Raquel recebeu as fotos no laptop que seriam enviadas ao governador, e ficou horrorizada quando viu a vítima. Porém, não havia marcas de sangue, uma gota sequer no chão da casa, apenas no gramado, onde a criatura havia caído após receber os tiros. Passava das três horas quando decidiram voltar para casa e descansar. Na manhã seguinte, iriam os três ao casarão.

***

Copos e pratos sujos e espalhados denunciavam a festa da noite anterior. Restos de bolo, salgadinhos e bebidas enfeitavam a entrada do casarão. Novamente, parecia estar abandonado, seria apenas um salão de festas? Resolveram entrar para confirmar. Camas desarrumadas, geladeira cheia de comida e um rádio ligado mostravam que alguém morava na casa. Para evitar qualquer surpresa, foram logo à parte de trás, para verificar o tal calabouço. Parecia um porão, como se fosse uma garagem, com grades. O único acesso ao interior do mesmo era por um pequeno portão, que estava aberto. Entraram e depararam com uma coleira, correntes, ossos e marcas de garras na parede.

- Parece que gostavam de brincar de polícia e ladrão aqui. – Fabio disse.

- Não é uma prisão. É um canil – concluiu Hans.

A pista era preciosa. Quiseram sair o mais rápido possível, antes que alguém chegasse e pudesse denunciar por invasão à propriedade. Ao entrar no carro, viram no retrovisor uma minivan dobrando a esquina. Esperaram, e viram o veículo estacionando, e saindo dele uma mulher, aparentando 50 anos, loira, acompanhada por outras sete meninas, também com cabelos claro, e um menino, com a mesma descrição. Hans riu, e pos o carro em movimento.

Raquel quis saber o motivo da risada. Hans preferiu ficar em silêncio até saírem do condomínio, para explicar suas razões. Fabio parecia pouco interessado, mas ouviu o irlandês falar. Contou sobre as lendas dos lobos, que são os filhos mais novos entre oito irmãos. Há versões que falam que é o oitavo filho, outras que afirmam que é o único filho homem após sete mulheres. “Pelo que vimos, todas as lendas se encaixam, temos um legítimo lobisomen, só falta mesmo fotografarrr”. Fabio riu incessantemente após ouvir isto, mesmo após o encontro com a criatura duas noites antes. Raquel preferiu ficar quieta, enquanto Hans cantarolava uma música típica de sua terra natal.

O estrangeiro já imaginava a razão da construção do canil. No começo, a família começou a ficar assustada com os períodos em que o caçula se transformava, e trancava-o. Após perceberem que era inofensivo àqueles com o mesmo sangue e, portanto, com o mesmo cheiro, deixaram-no solto. O que intrigou o experiente policial eram os motivos de somente agora as vítimas virem à tona; ou cobriam muito bem os assassinatos, ou a família mudou recentemente àquele casarão.

- Hoje à noite iremos à caça. Voltem para casa e descansem. We’ll have a great time.

***

A noite chegou mais fria do que o normal. A cada momento, Fabio tinha que passar um pano no vidro do carro, pois embaçava. Raquel questionou o porque de estarem parados, dentro do carro, em frente ao casarão, ao invés de invadirem o local logo e prenderem o menino que se transforma. Hans explicou que não são todas as noites que ele vira lobisomem, e caso isto aconteça, irá ataca-los, para proteger sua propriedade. Fabio, cansado de seus companheiros não rirem mais de suas piadas sobre o caso, preferiu manter-se alerta.

As horas passaram, as luzes do casarão foram se apagando aos poucos. De repente, Raquel viu um vulto vindo do quintal, o mesmo onde fica o canil. Alertou seus colegas, que ficaram com as armas em punho. Fabio sugeriu saírem do carro, mas antes de qualquer resposta sentiram um tranco no mesmo. Era o lobo, urrando dando voltas no veículo, como se procurasse um lugar para atacar. Quando a criatura ficou próxima ao porta-malas, Hans desceu do banco do motorista e apontou a arma, mas a criatura foi veloz o suficiente para atacá-lo, arremessando- o longe. Fabio também desceu e tomou outro tapa no rosto, caindo em seguida. Raquel, desesperada, começou a gritar, e o animal, levantou o carro e o arremessou-o.

Hans e Fabio travaram uma luta desigual. O bicho era muito mais forte que os dois, e só fraquejou quando foi esfaqueado com a arma de prata. Porém, estava em vantagem e conseguiu tirar Fabio da luta com um soco, que o desacordou. No momento em que o animal ia para dar o ataque final em Hans, eis que se ouve três tiros. Era Raquel, já ensanguentada e cambaleando; com dificuldades, saiu do carro capotado e conseguiu atirar com a pistola de prata na criatura, que deu três passos e caiu, voltando a se tornar o menino de cabelos claros.

Depois disto, as irmãs do garoto saíram do casarão, e recolheram o cadáver, sob olhar atento e triste da mãe. Só restou aos policiais acordarem Fabio, e deixar o local. Missão cumprida.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O Divagador


Não interessa o nome do homem. Mas sim o que ele traz por dentro. Sempre um cara quieto e observador, seria um excelente escritor. Mas preferiu seguir sua vida na burocracia e no dinheiro que circula tal tipo de atividade.

Uma tarde de domingo, ele aguardava a um parente que prestava vestibular. Entre idas e vindas de carros caros, pessoas bonitas, carroças velhas e cachorros feios, avistou a uma garota loira, de olhos azuis, corpo escultural e sorriso perfeito.

Em poucos segundos começou a imaginar como seria a vida dela. A primeira característica principal era o assédio dos garotos. A cada cantada, contatos pelo Facebook ou olhada indiscreta dos pequenos machos, um sorriso se abria no coração. Ela adorava ser a preferida do imaginário pubiano alheio.

Por isso, então, acreditava que poderia ter qualquer homem que quisesse. Nada mais natural escolher aquele que mais lhe atraía. Caso tivesse qualquer característica fora dos padrões, o rapaz seria sumariamente descartado e ignorado.

Ah, sim! A garota, sendo popular e filha de um casal bem de vida, saía cerca de quatro noites por semana, com amigas ou qualquer pessoa que ela escolhesse. E fazia questão de mostrar para o mundo, pelas redes sociais, as fotos de cada balada tiradas com o celular de última geração. Somente dessa forma o mundo teria conhecimento do seu esplêndido guarda-roupa, do cabelo invejado e do sorriso comprado em um ortodontista.

Nas tais baladas ela poderia escolher a dedo o cara que iria beijá-la, vê-la nua e otras cositas mas. Tudo aconteceria da forma como ela quisesse, na hora em que quisesse. Passadas algumas noite, encontrou um rapaz que a agradou. Bonito, bom papo. Não era o supra-sumo de todos os adjetivos, mas talvez por isso havia atraído a bela loira.

Ficaram. Marcaram de sair sozinhos. Logo no primeiro dia ele insistiu. Ela resistiu, mas prometeu a si mesma que na próxima, cederia. E não deu outra. Aliás, deu outra sim. No encontro seguinte, rolou de tudo no quarto dele.

Ela não estava perdidamente apaixonada. Mas sentia que brotara um sentimento em relação ao rapaz. Mas foi só ir a um bar que ele gostava para vê-lo com outra. Eles se abraçavam, beijavam, mordiam. Não se sabia onde começava um e terminava outro. Que coisa! A garota cheia de si, linda de morrer e descolada levou uma rasteira de um garoto qualquer, que agora contava vantagem aos amigos sobre mais esta conquista.

Voltando à espera pelo fim do vestibular. É melhor falar o nome do imaginador de plantão, para não confundir criador e criatura. Cassiano havia adorado aquele exercício de achar o que acontecia na vida dos outros.

A partir dali, a vida dele nunca mais seria a mesma.

Ele passou a ser o Divagador da Vida Alheia. Abreviando, o DVA.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Eva


Este texto é baseado na música Eva, cuja versão mais famosa está na voz de Ivete Sangalo, quando ainda cantava na Banda Eva.



- Meu amor, olha só! Hoje o sol não apareceu.

Foi assim que minha amada me acordou, naquele domingo, dia 09 de setembro de 2398. Após anos de pesquisas, de alertar a todos sobre o dia em que os gases não deixariam a luz do sol iluminar a superfície, tive o meu momento de certeza, da glória interior que tudo isso causa.

É o fim da aventura humana na Terra. Tive sorte que um homem influente confiou no meu trabalho. Um ministro brasileiro abraçou a causa que levantei, e levou minhas pesquisas aos centros de estudos climáticos mais respeitados. Todos viram que meus dados faziam sentido.

A sorte é que já havia gente morando em Marte. O que as autoridades fizeram foi antecipar os planos de mudança de toda a humanidade. Apenas acelerei o processo. Por mais doloroso que seja deixar nosso planeta, era uma questão de sobrevivência.

O clima era silencioso. Calmo até demais. A pouca luminosidade que passava pela camada gasosa deixava o ambiente em um vermelho parecido com o que as pessoas viam nos filmes antigos sobre outros mundos. O cheiro era ruim.  Podridão, sujeira, carniça. Esquecemos todos os limites naturais para benefício próprio. E conseguimos: a humanidade sobreviveu, solitária.

- Pare de sonhar e me ajuda a arrumar as coisas.

Pandora estava aflita e apressada. Colocava as roupas nas malas como se estivesse fugindo de uma catástrofe. Tecnicamente, era isso mesmo que acontecia. Mas eu estava em outro momento. Já havia decidido que seria o último a partir. O último ser humano a pisar na Terra. O derradeiro homem a respirar o ar que muita gente poluiu.

- Você está louco! Fique aí então, vou com a nave cargueira!

Em poucos segundos, Pandora deixou a pressa de lado e começou a chorar. Sentia a mesma saudade da Terra que tantos outros. Muita gente priorizou o próprio conforto ou a sobrevivência de parentes. Mas a maioria estava com aperto no coração por deixar o planeta. As pessoas gostam dele. Uma foto de uma pessoa na natureza é admirada, elogiada, e transmite toda a felicidade que o momento pode ter. A mesma foto, tirada em um ambiente fechado, como um escritório, é vazia, sem vida.

Chamando a mim de maluco, Pandora resolveu me acompanhar na viagem. Como cientista, fiquei com a missão de registrar o final da odisseia terrestre. A humanidade mudou de casa. Da Terra para Marte, onde alguns já moravam há alguns anos. Pelos meus cálculos, o planeta natal da humanidade deve ficar inabitável por, no mínimo, duzentos anos. Só então o ar irá se estabilizar, a chuva voltará a cair, e a vida voltará a florescer.


Um primeiro terremoto foi o sinal para a penúltima nave partir. Levando consigo cinco mil pessoas, mais pertences, animais e veículos. Câmeras instaladas em diversos pontos do planeta, e cujas imagens eram transmitidas ao meu computador, mostravam que as placas tectônicas não paravam mais de se mexer. Os vulcões entraram em erupção e os mares estavam sem condições de navegação, caso ainda existisse algum homo sapiens por ali.

A nave cargueira já estava fora de vista a olho nu, quando outros tremores mais fortes começaram a me amedrontar. Fiquei ali, olhando ao redor, sentindo a última brisa, vendo as densas nuvens, pensando no que escreveria sendo último homem a estar na Terra.

- Pandora, é o nosso amor na última astronave. Eu serei Adão e você será minha pequena Eva – ri.

Já tensa com a viagem, ela nem deu ouvidos. Deixou de lado toda a inteligência do jogo de palavras. Veja só que genial, os primeiros e os últimos habitantes terráqueos deveriam se chamar de forma igual. Fecharia um ciclo.

Resolvi ficar calado. Os derradeiros segundos na obra mais perfeita da natureza, de Deus, dos átomos, ou seja lá de quem ou do que for. Era hora de partir. Não consegui conter minhas lágrimas. Além do infinito eu vou voar, sozinho com minha amada.

- Meu planeta, adeus.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

DEIS SP - Mortos sem sangue Parte 1


- Declaro inaugurada a D.E.I.S. de São Paulo.

Pop. Assim fez a garrafa de champanhe aberta pelo Governador do estado, em uma sala pequena, mas aconchegante, da sede oficial do governo. Ali seria o escritório da divisão paulista do DEIS, assim, sem alarde, sem imprensa, na mais completa discrição. A necessidade de criar esta divisão se deu após a aparição de pessoas mortas sem sangue em um condomínio de luxo em Campinas – caso este ainda não solucionado.

Por questões financeiras, apenas três agentes foram recrutados. O irlandês de origem alemã Hans (“preferia um belo whisky, but it’s ok”), o delegado Fabio e a investigadora Raquel, a primeira a atender o chamado de emergência que originou a abertura desta divisão.

- Deixe-me apresentá-los. Hans é irlandês, fala pouco nossa língua, mas é chefe da polícia sobrenatural (sim, isso existe) de Dublin. Está aqui como voluntário, por tempo indeterminado. Fabio foi designado a esta nova missão por se destacar na delegacia anti-sequestro…

- Quero deixar bem claro que não acredito nessas baboseiras – Fabio interrompeu grosseiramente a fala educada e serena do governador. Eu já vi muitas coisas nessa vida, e para mim, é apenas mais um maníaco assassino.

- Enfim – continuou o político – Raquel foi a primeira policial a presenciar as vítimas em Campinas. Investigou sobre o caso, sem sucesso, mas mostrou-se motivada sobre o assunto. Pediu ajuda ao DEIS do Rio Grande do Sul, eles se mostraram solícitos, mas sem pessoal suficiente para ajudá-la sem prejudicar as operações por lá.

A conversa prosseguiu em caráter profissional por mais meia hora. Fábio era o mais inquieto, e parecia não acreditar no que ouvia. Hans exagerou no champanhe e ficou sonolento, mas seu currículo o torna o grande mentor desta equipe. Raquel apenas ansiava pelo que viria, e tinha a sensação que agora seu trabalho valeria cada suor de seu esforço.

XXX

No dia seguinte, rumaram à cidade das andorinhas. Fabio sugeriu ir ao local dos crimes, fotografar o ambiente e entrevistar testemunhas. Hans logo interrompeu-o dizendo que iriam à noite, se possível ver e capturar a criatura. Raquel engoliu seco, mas não deixou transparecer suas preocupações.

Ao chegarem ao condomínio, no final da tarde (e, portanto, ainda claro), Hans abriu uma mala e entregou a cada companheiro uma pistola de prata, com munição do mesmo material. Além dessa arma, uma faca também de prata foi dada a cada um. “Deve se tratarrr de um lobisomem” proferiu Hans, com seu sotaque característico. Fabio tossiu para disfarçar a risada, mas ficou sério com os olhares de repressão de seus colegas.

A noite passava, e dentro do carro o silêncio era total. Fábio quase dormia. O lugar estava extremamente escuro – era um condomínio de chácaras de sítios, com mais áreas verdes do que construídas. As luzes do carro foram apagadas, e ficaram estacionados em uma das estradas de terra do local. Raquel começava a se sentir aliviada por não encontrar a criatura que sugou o sangue de três moradores daquele local, quando se ouviu claramente um uivo. No mesmo momento, Hans pulou para fora do carro e correu pela estrada em direção ao barulho. Raquel tratou de seguir o comandante, com a arma em punhos. Fabio foi o último a deixar o veículo, alegando que eram “apenas cães lamentando a morte de um amigo”. Correram cerca de cinco minutos até chegar em frente a uma casa, dessas cercadas por mato. De dentro da mesma, gritos que pareciam de uma mulher. Nem foi preciso se aproximar demais ao local, logo apareceu na porta lateral da casa, uma estranha criatura em passos lentos. A escuridão não permitia a identificação da mesma, que ao perceber a presença dos três agentes, começou a urrar e correr em direção aos mesmos. Ela só foi parada por três tiros vindos da arma de Fabio.

- Não falei? É apenas mais uma pessoa. Deve estar fantasiada para o carnaval – disse aproximando da criatura deitada na grama. Fabio começou a mexer no focinho do lobo, procurando algum zíper ou algo que provasse que se tratava de uma máscara, porém não encontrava nada, o que o deixou cada vez mais irritado.

- Qual pistola você usou? – perguntou Hans, ao verificar nas mãos do delegado uma arma diferente da que havia dado.

- É a Verônica, minha automática da sorte – Fabio continuava a procurar vestígios de fantasia.

Hans começou a gritar para seu colega se afastar da criatura, justificando que a mesma estava apenas atordoada. Fabio não deu ouvidos, e foi surpreendido com um tapa do animal, que o arremessou longe. Com incrível velocidade, a criatura fugiu entre as árvores.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

A Saga da Sentai Vermelha - Final

Esse texto foi publicado originalmente no Senpuu, que você pode acessar clicando aqui.


Carta 5
Ao Senhor Presidente das Nações Unidas e demais membros do conselho,

Quero primeiro me desculpar por não participar, de corpo presente, das homenagens e comemorações pela vitória da Terra sobre os centaurianos. Embora meu coração esteja cheio de alegria, meu corpo e minha mente precisam descansar e se recuperar das horas de batalha intensa a que foram expostos.

Estou imensamente agradecida pela medalha de honra que me foi oferecida. E também pela quantia em dinheiro como forma de gratificação. Porém, peço que entendam, fiz apenas o meu trabalho. E, se me permitem, conto nas linhas abaixo detalhes da operação. Gostaria muito que ouvissem a minha versão da história, e já adianto que não conheço as outras, pois estou sem ler jornais há dias.

Após a primeira invasão dos centaurianos, fui capturada por eles e levada ao seu planeta natal. Prisioneira, passei fome, humilhações e fui moeda de troca por outros prisioneiros. Depois de libertada, passei um tempo no Rio de Janeiro, cartão postal do distante Brasil, até ser convocada para resgatar membros de uma equipe da Corporação Alfa (esta também homenageada neste dia especial). Até esse ponto, creio que os fatos são conhecidos por todos, pela imprensa.

Quando cheguei ao espaço, senhores, enfrentei uma grande nave centauriana e consegui enviar os demais membros da Corporação de volta à Terra. Porém, outras duas naves se aproximavam e eu tinha por obrigação enfrentá-las. Confesso, senhores membros da ONU, que minhas esperanças estavam escassas. Não acreditava que, sozinha, pudesse derrotar duas grandes naves de guerra. Por isso, não tive escolha: iria sacrificar o Mecha.

Tenho certeza que tal decisão foi motivo de críticas por parte de muitos. O Mecha foi uma obra cara, que consumiu anos de pesquisas e muito sacrifício das pessoas envolvidas. Porém, nunca é demais lembrar que a Corporação Alfa, em parceria com o governo japonês, bancou o projeto. Não houve qualquer ajuda oriunda do exterior. Mesmo assim, não hesitamos em oferecê-lo para defender a humanidade.

Voltando à batalha, o plano era desmembrar a perna esquerda do Mecha (a direita, usada como nave de resgate, já estava na Terra) e lançá-la rumo à segunda nave, um pouco menor. A explosão deveria destroçá-la. Da mesma forma, com a terceira nave, usaria o restante do robô – tronco, cabeça e braços.

Para tanto, voei em direção à segunda nave, como uma missão kamikaze. Temendo o ataque, os centaurianos abriram a principal escotilha e lançaram contra mim uma horda de módulos de combate. Foi aí que desmembrei a perna esquerda e a lancei ao interior da nave. A explosão foi de uma beleza inimaginável.
Senhores, descrevendo desta forma, parece fácil. Mas não foi. Imagine pilotar um robô sozinha (trabalho este originalmente para cinco pessoas) e tendo que desviar de milhares de naves menores. Creio que tive uma ajuda, seja da sorte ou de algum(ns) dos deuses que protegem os terráqueos.

Com a terceira nave, fiz o mesmo procedimento. Programei o piloto automático, coloquei o Mecha em modo de autodestruição, entrei na nave menor que estava acoplada a ele e parti de volta à Terra. Imaginei que, mesmo se a explosão não fosse no interior da nave centauriana, os danos seriam suficientes para deixar a nave inutilizável. Eu estava certa. A explosão foi tão bonita quanto a outra.

Restava, agora, chegar viva ao meu planeta natal. Desviei de tiros, explosões, acertei diversos inimigos. Quando estava perto da órbita terrestre, fui atingida. Mas o impacto da explosão direcionou a minha pequena nave direto ao Oceano Pacífico. Tive sorte, mais uma vez.

Por meio de meu pai, soube que os módulos de combate centaurianos não recuaram e ainda tentaram a invasão. Mas foram contidos pelos nossos caças e artilharia antiaérea. A Terra estava salva.

Dessa forma, senhores, posso afirmar que fui importante para a nossa vitória. Mas o trabalho de todos foi o determinante para que não fôssemos invadidos. Por isso, peço que divulguem este relato. Assim, as gerações futuras poderão saber sobre a Corporação Alfa e quem foi Jane Mussi, a primeira Sentai Vermelha.

Respeitosamente,
Jane Mussi.

PS: Senhores, em relação à medalha, ficarei honrada em recebê-la em outra ocasião. Sobre a gratificação em dinheiro, peço que doem para instituições que cuidam de crianças carentes.




segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A Saga da Sentai Vermelha – Carta 4

Esse conto foi publicado, originalmente, no Senpuu. Você pode lê-lo, com todas as imagens, aqui.


Querido Pai,

Escrevo essa mensagem de dentro do Mecha. Sim, aquele que ajudamos a desenvolver, escolhendo desde cores, aspectos de camuflagem até as armas embutidas. Lembra-se do quanto rimos ao ver o projeto inicial? Esses engenheiros... Criaram um robozão bonito, que voa, nada, corre; mas que, se precisasse entrar em uma batalha, não duraria cinco minutos. Adicionamos lâminas, metralhadoras, bazucas e escudos. Ficou uma verdadeira máquina de combate, e ainda assim acho continuou com um bom design.

Lembra-se, também, de como ele foi aceito pela população japonesa? A mais nova arma de defesa nipônica era um símbolo de garra e coragem. As crianças compravam os brinquedos dele, os jovens usavam camisetas com ele estampado, e os adultos aplaudiam em pé cada demonstração militar. Mas o maior orgulho, mesmo, foi quando o resto do mundo veio, praticamente de joelhos, pedir para que o Mecha defendesse a Terra da primeira invasão dos centaurianos. Ali a Corporação Alfa mostrou a todos a competência e seriedade do seu trabalho.

Pois bem, em instantes o Mecha terá seu maior desafio. E em um ambiente em que ele foi pouco testado, o espaço. Nesse momento, estou aguardando duas grandes naves centaurianas. Creio que, no máximo, conseguirei retardar o avanço delas, para dar tempo às demais tropas de se preparar para a grande batalha.

Pai, o senhor deve estar lendo essa mensagem em uma cama de hospital. Sinto muito trazer-lhe más notícias quando o senhor precisa descansar e se recuperar. Minha justificativa é que talvez essa seja a última mensagem que escrevo ao senhor. E quero se sinta orgulhoso de sua filha.

Quando fui convocada a resgatar os membros da Corporação Alfa que ficaram à deriva no espaço, quase recusei. Ainda sinto raiva quando penso no Sentai Verde. Mas aí me contaram que o senhor estava entre os feridos. Então, coloquei meu uniforme vermelho, subi numa pequena nave de combate e fui ao encontro do Mecha. Algumas lágrimas caíram de meus olhos quando vi o robô, que ajudamos a construir, avariado. Mas tive que me recompor rapidamente, pois haviam pequenos módulos de combate centaurianos aguardando minha chegada.

Sim, meu pai, os filhos da mãe estavam de tocaia, pois sabiam que alguém iria resgatar os feridos. Pior: só começaram a avançar a nave grande quando cheguei. A estratégia era clara, invadir a Terra sem qualquer resistência. Eles esperavam que uma tropa inteira viesse ao espaço efetuar o resgate. Mas só veio sua filhinha Sentai Vermelha.

Ainda bem que a primeira leva dos módulos de combate foi fácil de derrotar. A nossa nave é pequena, porém rápida e com boa artilharia. Em poucos minutos me atraquei ao Mecha. Cheguei ao cockpit e vi os demais membros da Corporação Alfa desmaiados, o senhor entre eles. Comecei então e levá-los até a saída de emergência que, embora poucos saibam, é a perna direita do robô. O plano era simples, apenas colocá-los lá, programar piloto automático até a Terra e conduzir o Mecha para a estação de reparos após destruir a nave centauriana. Perderia uma perna, mas isso não limitaria uma batalha e viagem de volta.

Acontece que uma segunda leva de pequenos módulos de combate centaurianos começou a atacar. E ainda tinha que destruir a nave. Liguei o campo de força, que agüentaria alguns minutos de disparos inimigos, coloquei o senhor e os demais na saída de emergência, programei o destino e corri de volta ao cockpit.

Pai, o senhor não imagina como é difícil pilotar, sozinha, o Mecha. Isso é trabalho para cinco pessoas, e eu estava sem ajuda. Ainda assim, consegui dar cobertura à perna direita, evitando que fosse alvejada. Faltava apenas impedir que a nave chegasse à Terra. Bem, isso não foi difícil, apenas lancei o míssil final, aquele que usamos para destruir de vez os adversários. Com uma potência de cinco bombas atômicas, desintegrou a nave centauriana.

Mas o teor desta carta não é de vitória. Isso o senhor já deve ter percebido. Eu apenas atrasei a invasão. Os radares do Mecha identificaram a segunda e a terceira nave centaurianas, escoltadas por outros módulos de combate. Não posso deixar o posto, tenho que tentar destruí-las.

Enquanto recarregava algumas baterias do Mecha e as naves não atingiam distância de combate, pude escrever essa carta. A batalha vai ser iniciada em minutos. Espero que logo possamos relembrar dessa e muitas outras lutas, de preferência no Rio de Janeiro, em férias. Caso isso não aconteça, saiba que dei o melhor de mim.

Um beijo de sua filha
Jane Mussi

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Um belo partido




Fim de semana, churrasco da família. Avós encontram netos, que encontram primos, que revêem tios, que bebem, que fumam, que comem aos montes. Mas aquele era um evento especial, pois seria o primeiro a ter a grande estrela da família, Daniel, que havia se tornado um músico famoso. E, por isso, sua presença entre as serpentes passou a ser rara, dada a agenda de shows.

Digno de uma estrela da MPB, Daniel chegou com duas horas de atraso. Ao contrário dos fãs e daqueles que pagam o caro ingresso para vê-lo tocar, o resto da família não estava nem aí. Comer, beber e jogar conversa fora era o mais importante. O tio falastrão continuava a colocar todos em constrangimento. As crianças corriam ao redor da piscina. As mães comentavam as tendências da moda.

Quando Daniel desembarcou de seu carro esportivo, ouviu alguns aplausos, gracejos e o orgulho da família pelo sucesso na música. Ele era o mais tímido das festas, ficava o tempo todo perto do som, ouvindo as músicas que eram tocadas. Quando ganhou o violão, revezava com o CD player a animação das reuniões.

Mas dessa vez seria diferente, há muito tempo ele não via aquelas pessoas. Alguns, já falecidos, ficaram apenas nas lembranças. Outros mudaram cabelos, estilo e até o formato do rosto (nada que uma plástica não resolva hoje em dia). Quem não mudou nada foi a Rita, a prima-bonita-que-habita-os-sonhos-de-qualquer-rapaz.

Rita era realmente bonita, desde a infância. Mas o caráter não acompanhava as formas. Com 16 anos, já não ficava com quem andasse a pé, de bicicleta, carona ou ônibus. Tinha que ter carro. (inclusive, e Freud deve explicar, o carro que Daniel dirige atualmente é a versão atual dos carros dos namorados de Rita). A única música que conhecia era a que tocava nas rádios e nas boates. Tinha horror a comidas gordurosas e mais 3 mil amigos no Facebook.

- Vejo que você comprou um Golf zero – Rita se aproximou de Daniel.
- Pois é, guardei uma grana e consegui comprar.
- E aí, como está a agenda de shows?
- Boa, graças a Deus.

Daniel tentava se esquivar das perguntas da garota. Ainda que indiretamente, o assunto era sempre dinheiro, carros, jóias, ostentação. O músico até que poderia contar sobre como conquistou uma modelo cantando Woman, do John Lennon. Ou sobre a felicidade de tocar em um tributo a Tom Jobim. Discursaria sem problemas sobre o dia em que fez greve de fome e assim chamou atenção para a questão da distribuição dos direitos autorais aos artistas.

Mas não. A garota só tinha ouvidos para determinados assuntos. Paciência. Rita era, com certeza, a musa de muitas das músicas do rapaz. Músicas estas compostas há anos, quando o amor platônico era tanto que passou a evitar as reuniões familiares. Não queria ser ignorado e/ou trocado por qualquer rapaz bonito e rico. Preferia a solidão do quarto do que procurar no namorado da vez qual a razão da atração dele sobre Rita. A conclusão, quase sempre, era múltipla. Era o carro mais o braço forte. Ou a promessa de uma viagem a Lisboa somada a um sorriso encantador.

Por isso, também, estava adorando toda aquela bajulação da jovem. Qual homem não gosta de ser paquerado por alguém tão bela, e por quem sentia uma atração tão forte há anos? Ainda que o gosto naquele momento era similar àquele que os vingativos sentem. Daniel, desde que ficara famoso, saía frequentemente com modelos, atrizes, dançarinas de programas de auditório. Alguns relacionamentos iam para frente, outros ficavam pelo caminho. Rita era tão bela quanto a modelo que não emplacou na carreira, a atriz que tinha um segundo emprego para pagar as contas ou a dançarina que fazia também strip-tease.

Era hora de ir embora. Daniel se despediu de cada um dos presentes com um sorriso e a calma de não precisar ser educado ao extremo, como os artistas fazem com fãs. Na hora dizer adeus a Rita, um beijo no rosto da prima foi suficiente. Se pudesse ler pensamentos, na testa da jovem estaria estampado algo como “um belo partido. Para casar”.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Serenata pelo YouTube




Ontem à noite, eu conheci uma guria. Já era tarde, era quase dia.

Parafraseei Humberto Gessinger para mostrar como foi meu fim de noite, ontem. Salvar uma balada de sábado não é das missões mais fáceis. Eu estava quase desistindo de ficar com alguém, quando ela apareceu na minha frente. Ela estava bêbada, mas não a ponto de dar vexame. Eu estava, com certeza, mais alcoolizado que ela.

Mas vamos ao que interessa. O papo até que fluiu bem. Falamos sobre a música que estava tocando. Um pop alternativo, desses que não toca nas rádios,  mas muitos conhecem. Ela me contou que lia vários blogs sobre música, e a canção que era executada naquele momento recebeu muitos elogios de críticos e do pessoal que comentava.

Veja só, ela gostou tanto da música que fez um vídeo com imagens que ela gostava, fotos dela e de amigos, coma música de fundo.

- Já tem 3.827 visualizações - contou, entusiasmada.

Quando eu contei que tocava baixo, ela se mostrou interessada. Queria ver uma exibição minha com o instrumento. Até tentei argumentar, dizendo que ele não tem uma sonoridade solitária, como o violão ou o teclado. Eram necessários outros instrumentos, como uma bateria, para complementar o som.

Mas ela insistiu. "Mexa seus pauzinhos", disse, sem qualquer ironia ou jogo de palavras. Dessa forma, não pude recusar, mas pedi algum tempo para ensaiar uma música bem interessante para mostrar a ela. Usei esse argumento também para conseguir uma segunda oportunidade de encontrá-la, sem tanta música alta nem pessoas ou bebidas ao redor. Parece que colou.

Mudei o assunto e perguntei sobre trabalho. O que ela fazia, onde trabalhava? Ela despistou. Não quis falar, disse que assim lembrava que em poucas horas (já era domingo, nunca é demais lembrar) teria que voltar ao batente. Respeitei, provavelmente não era o trabalho que ela sonhara.

Aí algo interesante aconteceu. Como não ficou à vontade com o assunto, e percebeu que eu havia ficado surpreso com isso, propôs de nos encontrarmos novamente. Com alegria, a convidei para um programa pouco usual e antiquado: ir a uma sorveteria.

- Uau, adoraria - ela respondeu.

Nos despedimos com um beijo. Foi mais um selinho. Antes, adicionamos nossos perfis no Facebook, nos seguimos no Twitter e, pasmem, trocamos MSN.

Assim, misturando o tecnológico com o comportamento do início do século, tive uma outra mirabolante ideia. Iria fazer uma serenata virtual. No baixo e voz. Posicionei meu celular e gravei uma música. O som do baixo ficou parecido com o de Nathan East na introdução de Old Love, do Eric Clapton, que você ver aqui. Parece um violão tocando bossa nova. Para a voz, fiz uma letra qualquer contando nossa história, utilizando as palavras linda, amor, apaixonado e a frase principal, quer namorar comigo.

Pus no YouTube, mandei o link no Facebook dela e desliguei o computador. Três horas depois, ela me ligou, toda eufórica. Disse que aceitava namorar comigo, e falou para ver quantos compartilhamentos foram feitos. No total, 315. Fora os comentários, os curtir (1.741) e as menções no Twitter. No total, só no primeiro dia, foram 5.592 visuzalizações. Mais do que o vídeo da agora minha namorada.

Fiquei famoso, dei algumas entrevistas. Nada demais. O que eu queria mesmo eu havia conseguido. A guria, finalmente, era minha. Para os geeks e tecnológicos de plantão, fica a dica.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Texto meu no Senpuu

Aos queridos leitores, uma ótima notícia: os textos da Saga da Sentai Vermelha, que vocês têm acompanhado aqui, estão sendo postados no Senpuu, um site inteiramente dedicado aos tokusatsus.

A saga é composta por cinco carta, três das quais já foram publicadas aqui. Por isso, adiando que as duas  cartas restantes sairão em primeira mão no Senpuu. Depois publicarei neste blog.

Para ver a publicação da primeira carta, clique aqui.

Um abraço,
Felipe

terça-feira, 17 de julho de 2012

A saga da Sentai Vermelha - Carta 3

Caro leitor,

A vida noturna é realmente espetacular. Sempre fui muito rígida com relação a horários e disciplina, e estar sem obrigações é um dos prazeres que ainda não estou acostumada. Mas, como dizem aqui no Brasil, tudo o que é bom dura pouco. Na noite em que mais bebi, fui localizada por agentes japoneses à minha procura.
Imagine só a cena: estava eu, sozinha, em um bar maravilhosamente iluminado (sério, parecia cenário de videoclipe) e com uma banda de rock muito boa. Bebi até dormir na mesa do bar. Quando me acordaram, já fui avisando o dono do bar que iria embora e estava sã. Não foi necessário, pois quem me acordou foram os agentes japoneses, e eles fizeram tudo isso por mim. Inclusive, até pagaram a conta.

Na manhã seguinte, entre goles de café e um maravilhoso sanduíche de peito de peru, eles me contaram a real situação do conflito. A Terra estava desprotegida. O grupo Sentai foi enviado ao espaço para enfrentar uma das naves centaurianas. E perdeu.

- Bem feito! Agora eles vêem que o Sentai Verde é um péssimo líder – eu disse, em bom japonês.

Fui repreendida, claro. Mas foi um grito de desabafo. E felicidade. Eles precisavam de mim, e eu adoro isso. Adoro ser reconhecida pelos meu méritos, minhas qualidades. Tardou, mas não falhou.

Por outro lado, ninguém esteve do meu lado quando briguei com o Verde. O machismo da Corporação Alfa falou mais alto, e como fui a única mulher a peitar (com o perdão do trocadilho) os homenzarrões incompetentes, me ferrei.

- Acontece, Sra. Jane, que o esquadrão Sentai está à deriva no espaço. O Mecha foi muito avariado. E, junto com eles, está seu pai, o General Mussi.

Ali tomei um susto. Agora a coisa mudava de figura e ficava pessoal. Se eu soubesse, desde o começo, que a minha missão seria resgatar o meu pai, não perderia um minuto discutindo minha situação com o resto da Corporação Alfa. Faria minhas malas e partiria para o Japão imediatamente. Como brinde, traria de volta os cinco combatentes que não são um bom grupo sem a minha liderança.

Dessa forma, viajei para o país do sol nascente. Durante as muitas horas de viagem, pude dormir, avaliar a nave que irei usar e a estratégia de combate. Não terei escolta, mas provavelmente não precisarei entrar em conflito.

Escrevo essa carta da base de lançamento. Em minutos, estarei no espaço. As forças aéreas de muitos países estão de prontidão para um possível ataque, já que nossa principal defesa – o Mecha – está no espaço, inutilizado. A imprensa e, consequentemente, a população da Terra, ainda não sabe que, se sofrer uma invasão nas próximas horas, poderá não ter forças suficientes para resistir ao inimigo. Sinto uma enorme responsabilidade em minhas mãos. Mas nem por isso deixarei de me concentrar na missão. Caro leitor, guarde essas palavras. A Sentai Vermelha está de volta.

Paz e bem
Jane Mussi.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Você nunca pegou uma flor do jardim para me dar

Você nunca pegou uma flor do jardim para me dar.

Foi isso que ela me disse no dia em que terminamos. Na hora, ri por dentro. Eu tinha pelo menos uns três argumentos para rebater essa frase absurda. Digo apenas um, para dar uma dimensão do momento: em meses de relacionamento, foram várias as vezes em que enviei rosas vermelhas à minha amada. Creio eu, que rosas vermelhas são mais bonitas, chiques e mais caras que a flor do jardim. E têm a mesma representação, o de presentear.

Mas não disse nada. Argumentar só traria mais dor e sofrimento àquele momento. Torná-lo mais difícil para ela não amenizaria minhas lágrimas.

A verdade é uma só. Termina-se um relacionamento porque o amor não existe mais. E ele pode acabar por dezenas de motivos. Uma traição, uma outra paixão. Vontade de ficar sozinho, aproveitar família e amigos.

Ela queria terminar comigo, e sobrou para as pobres flores que enfeitam os jardins brasileiros a culpa. Quantas não devem ter murchado pela angústia de ser o motivo pelo fim do nosso relacionamento. Queriam mil vezes ter sido cortadas por uma faca cega, ou simplesmente arrancada à mão nua, do que conviver com esse fardo até o último dia de suas vidas.

Claro, há as que não estão nem aí, e se exibem às pessoas e aos insetos. Sentem-se superiores a mim, meu ex-relacionamento e às flores que sofrem em silêncio.

Hoje, olhando para esse fato (que ocorreu há anos), vejo o quão idiota eu fui. Dediquei-me ao relacionamento de corpo e alma, e nada tive em troca. Era feliz por tê-la ao meu lado, ela era meu troféu, minha grande conquista. E, para expressar todo meu amor, a presenteava com rosas vermelhas. Não com flores roubadas de um parque ou um jardim particular meticulosamente cuidado. E foi por isso que terminou.

terça-feira, 26 de junho de 2012

A saga da Sentai Vermelha - Carta 2

Caro leitor, não sei se você é o mesmo que leu minha primeira correspondência, enviada há dois meses. Nela descrevi como fui capturada pelos centaurianos, como me tornei sentai vermelha e... bom, deixa para lá. É muito provável que você seja um dos outros 7 bilhões de habitantes da Terra que não leram a minha primeira carta.

A boa notícia é que os centaurianos me libertaram. Fui jogada em uma nave de carga que caiu na Lua. A Corporação Alfa, sob o comando de meu pai, foi até o satélite me resgatar. Deram-me comida, roupa limpa e uma semana de férias em Angra dos Reis. Foi tão maravilhoso que resolvi ficar mais tempo, por minha conta. Não quero voltar ao Japão, encontrar o resto da Corporação Alfa, principalmente o Sentai Verde. O que ele fez foi a maior desonra para um guerreiro. Como não recebi nenhum comunicado ordenando que eu volte para assumir meu posto de líder do esquadrão, vou ficar aqui até minhas economias acabarem. Ou melhor, posso ficar aqui até quando quiser. Basta conhecer alguém do exército brasileiro e oferecer o treinamento que tive. Olha só, caro leitor, você me deu uma ótima ideia para não ficar desempregada, obrigada.

Acontece que ser um soldado está no meu sangue. Tenho treinado todos os dias, correndo na praia, realizando movimentos de combate. Não tenho como evitar. Algum dia voltarei ao Japão e resolverei os problemas de relacionamento que tive.

Enquanto esse dia não chega, tenho que conviver com o que sou e com o que sei. São segredos que contei a meu pai quando fui resgatada. Em Alfa Centauro ouvi diversas conversas sobre uma nova invasão à Terra. As conversas entre os guardas corriam os corredores da prisão. Tive que subornar vários colegas de cela para obter essas informações. Fiz de tudo, só não me prostituí. Dei meu jantar várias vezes, levei encomendas perigosas de um ala para outra. Coisas que não me envergonho, mas também não me arrependo.

Pelas informações que tive, os centaurianos virão com um exército três vezes maior, se comparado com a última invasão. Novamente terão um monstro gigante, que servirá apenas para distrair o nosso Mecha. O problema é que haverá também outras três naves. Temos que nos preparar, talvez até cogitar o uso de armas nucleares para evitar essa tragédia.  Ou então tirar outros Mechas que estão fora de uso, ou em museus, para ajudar os caças.

Eu quero participar disso, só que não posso esquecer que cumpro ordens. Somente se for convocada é que terei o prazer de defender a humanidade. Não conseguirei construir um Mecha ou um veículo para ajudar a combater o inimigo. Sou uma sentai, não engenheira.

Bom, vou ficando por aqui. A vida em Angra é muito boa, mas amanhã irei para o Rio de Janeiro.

Um beijo da sua sentai vermelha.

Jane Mussi.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

A saga da Sentai Vermelha - Carta 1



Escrevo esta carta da prisão. Estou sob o poder dos centaurianos, creio eu há três meses. Somente agora me foi fornecido papel e caneta para escrever a meus familiares, a fim de que saibam que estou viva. O real motivo, obviamente, é comunicar o governo terráqueo de que sou moeda de troca pela armadura gigante que eles usaram em batalha.

Se você que está lendo esta carta não sabe do que estou falando, contarei um breve relato da minha história. Por favor, assim que terminar de lê-la, entregue nas mãos do general Mussi, da Corporação Alfa. Ele é meu pai.

Você, caro leitor, deve ter acompanhado pela imprensa a batalha da Corporação Alfa contra os centaurianos, que queriam invadir a Terra. Vencemos esta luta e capturamos o armamento inimigo, além de assassinar os alienígenas sobreviventes. O local foi o deserto do Saara, em virtude de um acordo entre os governos de Alfa Centauro e da Terra. Pode parecer estranho, mas existem leis intergaláticas que regulamentam as guerras entre os mundos. Leis estas que são sempre desrespeitadas, mas deixe para lá. Uma dessas leis determina que os locais de confronto devem ser longe de civis. E o Saara se encaixou neste quesito.

Durante a batalha, fui encarregada de uma missão sigilosa – invadir o quartel-general dos centaurianos e eliminar o comandante deles. Como você pode perceber, falhei nessa missão, fui capturada, jogada em uma nave-prisão e, anos-luz depois, vim parar em um planeta próximo à estrela Alfa-Centauro (não, não tem nada a ver com a Corporação Alfa, que fique bem claro). Quero muito voltar para casa, descansar, comer algo decente, ver a luz do Sol. Essa prisão é algo totalmente diferente, para pior, do que vivenciei em anos de treinamento na corporação. E olhe que treinei visando sempre ser a Sentai Vermelha.

Comecei a preparação aos 12 anos. É uma idade menor do que a média dos outros recrutas, que entram normalmente aos 15. Mas como tinha uma habilidade alta para minha idade, e meu pai é do alto escalão da corporação, consegui participar dos treinamentos. Eram puxados, claro, mas eu queria muito ser do esquadrão Sentai, e por isso encarava todos os desafios com garra e determinação.

Tive as notas mais altas, entre homens e mulheres, no ano da formatura. Todos tinham 21 anos, e eu 18. Era tratada, ao mesmo tempo, como prodígio da corporação e como filhinha do papai-chefe. Por isso, talvez, me ofereceram a vaga de Sentai rosa. Ora, eu era a líder de todos os times que montei durante o curso, tive os melhores desempenhos físico e intelectual, conhecia a fundo as estratégias de combate e as armas utilizadas. Eu não aceitava nada menos que o uniforme vermelho.

Agora, caro leitor, vasculhe a sua memória e veja se em algum momento da história da humanidade houve uma Sentai Vermelha. Essa era uma vaga ocupada apenas por homens. Mas fui irredutível, queria ser a líder de qualquer jeito. E bolei a solução: um torneio de luta; quem vencesse seria coroado.
Deixando a modéstia de lado, arrebentei no torneio. Venci homens e mulheres, dentro das regras estabelecidas. Os comandantes não tiveram escolha. Recebi o uniforme rubro. Era Jane Mussi, a primeira Sentai Vermelha.

Foi aí que os centaurianos invadiram a Terra. Assim, sem avisar (cá entre nós, se eu fosse invadir um planeta, faria do mesmo jeito). Os peões que eles enviaram foram mamão com açúcar, apenas para testar nossa força. A verdadeira batalha seria a do Saara, que já expliquei acima.

Acontece que minha liderança era contestada pelo Sentai Verde. Problemas de relacionamento são normais em qualquer equipe, porém as motivações do garotão eram principalmente políticas. Ele queria o uniforme vermelho, mas perdeu de mim na final do torneio. Até aí, tudo bem. Mas ele seguiu com essa ambição pessoal e tinha o apoio da maioria do comando da Corporação. Chegamos a brigar, fisicamente mesmo, diversas vezes em que ele discordava das minhas decisões.

Até o dia em que, durante uma batalha, ele se recusou a lutar e fugiu, deixando a mim e aos outros três membros em desvantagem. Os mesmos três, com medo de represálias do alto escalão lutaram até terminar os soldados, e fugiram. Deixaram a mim contra o monstro que liderava os soldados. Com muita dificuldade, venci o bichão. Se a equipe estivesse unida, usaríamos a bazuca do poder e liquidaríamos ele com facilidade. Sozinha, me restou cansá-lo e eliminá-lo com um tiro de pistola na cabeça.

Depois desse episódio, me recusei a voltar à sede da Corporação. Por comunicador, meu pai passou a missão de eliminar o comandante centauro, na nave inimiga. Passou todas as informações e coordenadas levantados pelo serviço de inteligência. Meu objetivo era entrar na embarcação e matar o ET. Logo percebi que era uma missão quase suicida. Mas era a única forma de ter, definitivamente, o respeito de todos.

Como já descrevi acima, falhei e fui capturada. O pior não foi ser presa, mas sim ver, da janela da nave-prisão, o Mecha da minha equipe derrotar o monstro gigante com armadura. Alguém estava no comando, que era meu por direito. Essa pessoa deve ter recebido todos os louros pela vitória, todas as condecorações cabíveis, talvez até tenha subido de patente. E eu aqui, enjaulada.

O papel está acabando. Entregue esta carta, em mãos, a meu pai. Ele saberá que os centaurianos me mantiveram viva, e querem negociar uma troca. Esta carta será jogada, literalmente, à Terra. Poucos sabem da sua existência. Por isso, caro leitor, se entregá-la a meu pai, fará um serviço sem igual valor à sua nação.

Paz e bem,
Jane Mussi

sexta-feira, 30 de março de 2012

Sopa se come em casa - Parte final



Hiran conversa com o primo após terem jogado uma partida de futebol. Cerveja à mesa, jogo do Brasil na televisão e risadas, muitas risadas.

- Ela me beijou.
- E você não fugiu?
- Não consegui, ela me agarrou.
- Ora, que ótimo. Se ela ainda não te expulsou de casa, é sinal de que logo terá mais.
- É, infelizmente.
- E esse “mais” significa sexo, você sabe, né?
- Sei sim.
- Grande rapaz. Tenho orgulho desse primo! Garçon, mais uma aqui para a mesa, por minha conta!

O corpo de Hiran queria, e muito, transar com Letícia. Só a consciência dele não partilhava totalmente do desejo, lembrando-o das consequências daquele ato. Com certeza, após o sexo, ela descobriria que ele não é gay, e encerraria o contrato de aluguel no mesmo momento.

Já fazia seis meses desde que começaram a morar juntos, mas o último mês tem sido o mais difícil. Do nada, ela passou a provocá-lo, e desde então tem sido difícil ficar sem pensar em sexo. A dica de manter a arma descarregada tem sido útil nesse tempo, até mesmo no dia do beijo em que não ficou em posição de ataque. Mas até quando resistiria?

“Letícia, tudo bem? Chegarei em casa tarde, hoje. Encontrarei uma pessoa. Por favor, peça uma pizza, ou se quiser, esquente o resto do jantar de ontem. Bjs”.

Com recados como esse no Facebook da companheira de apê, Hiran se livrava de ter que descascar a banana, pois significava que iria sair com uma garota ou à caça de uma. Naquele dia, havia marcado um cinema com uma ficante de longa data. Como havia ficado com tesão por ter beijado Letícia, queria logo transar com alguém para descarregar aquele sentimento acumulado.

Hiran chegou ao barzinho às seis horas. Bebeu uma cerveja, pediu uma porção. Se distraiu com um jogo de basquete na televisão. Alguns minutos depois, recebeu a ligação da ficante. Ela teria que ficar até mais tarde no trabalho, não poderia sair. Raivoso, Hiran pagou a conta e voltou para casa. Xingou a garota de todos os palavrões possíveis. Ainda por cima, teria que preparar o jantar. Todos os planos para aquela noite tinham ido por água abaixo.

Quando Letícia chegou, ficou surpresa ao vê-lo em casa, e soltou aquele “ooi”. Ela estava vestida com a roupa do trabalho, justa o suficiente para exibir as curvas sem perder a elegância. Quando a viu, Hiran teve uma ereção. Foi quando se lembrou, não havia se masturbado, teria que fazê-lo rapidamente.

- Que bom que você chegou. Por favor, pela uma pizza enquanto tomo banho.

Hiran tentou disfarçar a ansiedade e se apressou em pegar toalha e roupas limpas. Quando ia entrar no banheiro, Letícia o chamou. Estava em pé, no quarto, e olhava fixamente para ele. Tirou o terninho. Desabotoou a camisa social, lentamente. Abaixou o zíper da calça.

- Hoje, você não me escapa.

A beleza da mulher, a lingerie, a cara de tesão dela. Hiran estava imóvel, quase um ator representando esplendidamente seu papel. Letícia o acariciou no peito. Tirou a camisa dele. Abaixou a calça. Hiran ainda não se mexia. Letícia desferiu o golpe final, ao ficar completamente nua.

Transaram.

sábado, 10 de março de 2012

Sopa se come em casa - Parte 4


- E aí, amiga, como está o processo?
- Realmente, minhas investidas não estão dando muito resultado – suspirou Letícia.
- Hum, e isso é ótimo. Quanto mais difícil a caçada, melhor o banquete.

Letícia concordava em partes. Estava interessada em Hiran mais pela inteligência do rapaz, do que propriamente pelo aspecto físico da relação. Sentia como se ele fosse um pretendente qualquer, em que o tesão vinha após algum tempo, em segundo plano. Mas confessava estar curiosa em relação ao beijo dele, já que comprava caixas e caixas de chicletes sabor melancia. Pensou nisso a tarde toda, já que a rotina no trabalho estava mais tranquila naquela semana. E voltou para casa decidida a arrancar um beijo do companheiro de moradia.

- Olá, Letícia.
- Ooi.

Pelo tom do “ooi”, Hiran já percebeu que teria sua “homossexualidade” posta à prova. Letícia foi direto ao assunto. Ao sair do banho, chegou bem perto do rapaz.

- Sabia que esse cheiro de loção pós-barba é uma delícia?
- Sim, ganhei de presente de um ex meu.
- Eu tenho uma curiosidade, sabe?
- Qual?
- Como será um beijo de gay?
- Ora, vá a uma boate que você verá dezenas.
- Não é disso que estou falando.
- E do que é?
- Quero experimentar um beijo seu.

Hiran se levanta, alegando que buscar um copo d’água. Letícia vai atrás e encurrala-o na parede, mantendo a cabeça do assustado entre seus braços. Aproxima o rosto devagar, sentindo os diferentes cheiros dele – xampu, loção, chiclete. Fecha os olhos para saborear o beijo e dar total atenção ao momento. Hiran consegue escapar, passando por baixo dos braços da moça. Mas ela puxa-o de volta e rouba-lhe o beijo. Naquele momento, era inevitável a ele lutar. Todo o medo de ser depejado por não ser gay é esquecido. Apenas o beijo importava. E que beijo.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Sopa se come em casa - Parte 3


Hiran tomava uma cerveja com um primo, naquele boteco sujo de esquina.

- Cara, você não sabe o que aconteceu.
- Pois bem, conte-me.
- A garota com quem divido o apê. Eu disse a ela que era gay para conseguir a vaga. Só que agora ela quer me conquistar, para recuperar a autoestima.
- Como assim, cara?

Hiran descreveu a cena ocorrida na noite anterior. Ele fazia a barba, iria sair para jogar pôquer com alguns amigos. Estava de cuecas, já que tinha que mostrar que não havia pudores em morar com Letícia. Foi quando a moça bateu à porta do banheiro, pedindo a opinião dele sobre a lingerie que acabara de comprar. Ele tentou ser técnico. “Bonita, a cor está em alta no inverno, e realça seus peitos e a barriga”. Mal sabia ele que a intenção da moça era vê-lo despido.

- Tá, e qual é a dúvida?
- Será que eu devia ter falado “seios” ao invés de “peitos”?
- Você está louco? – riu o primo – Se a mulher quer ficar com você, ela sequer ouviu essa palavra. Eu acho que você devia aproveitar, isso sim.
- É o que mais quero, mas tenho medo de ser despejado.
- Ah, então esteja sempre com a arma descarregada, se é que você me entende. Assim, você evita os olhares ao corpo dela. E quando sair com alguma outra mulher, fique a maior parte do tempo fora de casa, assim você não precisa descabelar o palhaço e terá disposição para a garota.

Pelo menos teoricamente, o primo de Hiran estava com a razão. No dia seguinte, Letícia voltou a provocar o companheiro de apartamento. Saiu do banho enquanto ele assistia à televisão e fingiu estar interessada no programa que ele assistia. Aí começou a passar cremes pelo corpo.

- Passa nas minhas costas, por favor?
- Claro – enquanto Hiran realizava o procedimento, a bela escondia com a toalha apenas o busto e o sexo.
- Aproveita e faz um pouco de massagem...

Hiran sabia como massagear uma mulher. E Letícia soltava alguns gemidos relaxantes.

- Realmente, você é muito bom nisso. Cozinha bem, faz massagem... Depois quero experimentar outros talentos seus.

Hiran riu, sem graça, e voltou a prestar atenção à televisão. Estar com a arma descarregada fez toda a diferença naquele momento.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Sopa se come em casa - Parte 2


A vida amorosa de Letícia estava abalada. Nos últimos cinco anos, teve dois namorados. No começo, tudo eram flores, bombons, romance, cinema. Mas a ascensão profissional da agora Diretora de RH, sua dedicação ao trabalho e personalidade forte fizeram esfriar os dois relacionamentos, ambos terminados pelos rapazes. Nada que a deixasse deitada na cama, chorando com um pote de sorvete ao lado. Porém, a solidão a fazia questionar se o rumo que estava dando à sua vida era o correto.

Solidão, aliás, era modo de dizer. Sempre que quisesse, conseguia um amante. Fosse um antigo colega de faculdade, fosse alguém que conhecera na balada. Bastava sair à noite, ou ficar mais tempo no msn que os homens se aproximavam. Pudera, a pele lisa e morena, os cabelos castanhos claros e a bela boca atraíam os olhares e a cobiça dos homens.

Porém, naquele momento ela queria novas experiências. Sempre fora paquerada pelos homens, e escolhia a dedo qual seria seu. Mas nunca havia cortejado um rapaz, buscado conquistar alguém. Não sabia o sabor de ter para si alguém que havia sonhado, e um dos motivos disso é o fato de ela gostar de homens casados. Por motivos diversos, mantinha a fantasia escondida. Não queria ser a outra, nem destruir um lar. Por outro lado, se um homem era divorciado ou solteiro, já significava que devia ter algum defeito grave, e por isso não se interessava. Eram os comprometidos que a atraíam de verdade.

- Amiga, você tem duas opções – disse-lhe uma colega de trabalho, durante o almoço.
- E quais seriam?
- Ou você investe em algum partidão com aliança no anelar esquerdo, ou...
- Ou?
- Ou você conquista alguém que, a princípio, sequer olhava para você. Um gay, por exemplo.
- Gay?
- Isso, um gay. A Ritinha, da recepção, conseguiu transar com um. Disse que se sentiu a mulher mais gostosa do mundo. Afinal, praticamente mudou a opção sexual do cara, mesmo que fosse por aquela noite.

Naquele momento, o único gay que Letícia tinha contato frequente era Hiran. E ela nunca tinha olhado para ele como alguém que pudesse dar uns beijos, imagina ter contatos íntimos. Mas agora ela desenvolvia uma curiosidade difícil de ser deixada de lado.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Sopa se come em casa - Parte 1/5




- Então, tenho uma vaga, sim. É urgente para você?
- Sim, na semana que vem estarei despejado e sem lar – riu.
- Tá bom, só que é o seguinte: eu não me sinto à vontade com você tão próximo a mim.
- Querida, fique tranquila. Da fruta que você gosta eu como até o caroço.

Hiran conseguiu convencer Letícia de que era gay com esta última frase. O rapaz até podia ser motivo de desconfiança do pessoal do escritório, já que se vestia bem, comprava roupas frequentemente e procurava seguir as tendências da moda. São heranças da convivência com duas tias vendedores de butique, com quem morou durante a adolescência. Até arriscou uns beijos em outro rapaz, durante a fase em que era DJ nas boates gays da cidade. Mas, na hora do sexo, relação não foi para a frente.

Letícia também mostrava desespero em conseguir uma pessoa para dividir o apartamento. O aluguel estava caro demais para seu rendimento mensal. E se o ritmo seguisse daquela forma, o sonho de conhecer Londres ficaria mais distante. No final, o negócio foi bom para ambos.

Mas Hiran teria que sustentar sua pseudo-homossexualidade durante algum tempo. Nada de deixar toalhas molhadas em cima da cama, deixar o banheiro sujo por mais de dois dias ou trazer garotas para preparar jantares românticos. O projeto parecia, mas não era difícil. Apenas teria que mudar alguns itens da rotina.

O teste inicial se deu logo na primeira noite. Hiran assistia a um jogo de futebol quando Letícia chegou do trabalho. Por via das dúvidas, mudou para um programa de notícias.

- Boa noite.
- Boa noite. Fiz um macarrão, se quiser, pode pegar o resto. Já comi bastante – pelo menos a primeira impressão estava garantida.

Cansada, Letícia tomou banho, colocou o pijama e foi à cozinha comer o macarrão. Dali iria para o quarto, onde iria ler um livro até dormir. Nos trajetos banheiro-cozinha-quarto desfilou com os shorts e blusa minúsculos que usa como pijama. Hiran suspirou ao ver o belo corpo da colega nas andanças pelo corredor. Teria que treinar também o autocontrole, ou seria mais um sem-teto.