quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Um belo partido




Fim de semana, churrasco da família. Avós encontram netos, que encontram primos, que revêem tios, que bebem, que fumam, que comem aos montes. Mas aquele era um evento especial, pois seria o primeiro a ter a grande estrela da família, Daniel, que havia se tornado um músico famoso. E, por isso, sua presença entre as serpentes passou a ser rara, dada a agenda de shows.

Digno de uma estrela da MPB, Daniel chegou com duas horas de atraso. Ao contrário dos fãs e daqueles que pagam o caro ingresso para vê-lo tocar, o resto da família não estava nem aí. Comer, beber e jogar conversa fora era o mais importante. O tio falastrão continuava a colocar todos em constrangimento. As crianças corriam ao redor da piscina. As mães comentavam as tendências da moda.

Quando Daniel desembarcou de seu carro esportivo, ouviu alguns aplausos, gracejos e o orgulho da família pelo sucesso na música. Ele era o mais tímido das festas, ficava o tempo todo perto do som, ouvindo as músicas que eram tocadas. Quando ganhou o violão, revezava com o CD player a animação das reuniões.

Mas dessa vez seria diferente, há muito tempo ele não via aquelas pessoas. Alguns, já falecidos, ficaram apenas nas lembranças. Outros mudaram cabelos, estilo e até o formato do rosto (nada que uma plástica não resolva hoje em dia). Quem não mudou nada foi a Rita, a prima-bonita-que-habita-os-sonhos-de-qualquer-rapaz.

Rita era realmente bonita, desde a infância. Mas o caráter não acompanhava as formas. Com 16 anos, já não ficava com quem andasse a pé, de bicicleta, carona ou ônibus. Tinha que ter carro. (inclusive, e Freud deve explicar, o carro que Daniel dirige atualmente é a versão atual dos carros dos namorados de Rita). A única música que conhecia era a que tocava nas rádios e nas boates. Tinha horror a comidas gordurosas e mais 3 mil amigos no Facebook.

- Vejo que você comprou um Golf zero – Rita se aproximou de Daniel.
- Pois é, guardei uma grana e consegui comprar.
- E aí, como está a agenda de shows?
- Boa, graças a Deus.

Daniel tentava se esquivar das perguntas da garota. Ainda que indiretamente, o assunto era sempre dinheiro, carros, jóias, ostentação. O músico até que poderia contar sobre como conquistou uma modelo cantando Woman, do John Lennon. Ou sobre a felicidade de tocar em um tributo a Tom Jobim. Discursaria sem problemas sobre o dia em que fez greve de fome e assim chamou atenção para a questão da distribuição dos direitos autorais aos artistas.

Mas não. A garota só tinha ouvidos para determinados assuntos. Paciência. Rita era, com certeza, a musa de muitas das músicas do rapaz. Músicas estas compostas há anos, quando o amor platônico era tanto que passou a evitar as reuniões familiares. Não queria ser ignorado e/ou trocado por qualquer rapaz bonito e rico. Preferia a solidão do quarto do que procurar no namorado da vez qual a razão da atração dele sobre Rita. A conclusão, quase sempre, era múltipla. Era o carro mais o braço forte. Ou a promessa de uma viagem a Lisboa somada a um sorriso encantador.

Por isso, também, estava adorando toda aquela bajulação da jovem. Qual homem não gosta de ser paquerado por alguém tão bela, e por quem sentia uma atração tão forte há anos? Ainda que o gosto naquele momento era similar àquele que os vingativos sentem. Daniel, desde que ficara famoso, saía frequentemente com modelos, atrizes, dançarinas de programas de auditório. Alguns relacionamentos iam para frente, outros ficavam pelo caminho. Rita era tão bela quanto a modelo que não emplacou na carreira, a atriz que tinha um segundo emprego para pagar as contas ou a dançarina que fazia também strip-tease.

Era hora de ir embora. Daniel se despediu de cada um dos presentes com um sorriso e a calma de não precisar ser educado ao extremo, como os artistas fazem com fãs. Na hora dizer adeus a Rita, um beijo no rosto da prima foi suficiente. Se pudesse ler pensamentos, na testa da jovem estaria estampado algo como “um belo partido. Para casar”.

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