sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Eva


Este texto é baseado na música Eva, cuja versão mais famosa está na voz de Ivete Sangalo, quando ainda cantava na Banda Eva.



- Meu amor, olha só! Hoje o sol não apareceu.

Foi assim que minha amada me acordou, naquele domingo, dia 09 de setembro de 2398. Após anos de pesquisas, de alertar a todos sobre o dia em que os gases não deixariam a luz do sol iluminar a superfície, tive o meu momento de certeza, da glória interior que tudo isso causa.

É o fim da aventura humana na Terra. Tive sorte que um homem influente confiou no meu trabalho. Um ministro brasileiro abraçou a causa que levantei, e levou minhas pesquisas aos centros de estudos climáticos mais respeitados. Todos viram que meus dados faziam sentido.

A sorte é que já havia gente morando em Marte. O que as autoridades fizeram foi antecipar os planos de mudança de toda a humanidade. Apenas acelerei o processo. Por mais doloroso que seja deixar nosso planeta, era uma questão de sobrevivência.

O clima era silencioso. Calmo até demais. A pouca luminosidade que passava pela camada gasosa deixava o ambiente em um vermelho parecido com o que as pessoas viam nos filmes antigos sobre outros mundos. O cheiro era ruim.  Podridão, sujeira, carniça. Esquecemos todos os limites naturais para benefício próprio. E conseguimos: a humanidade sobreviveu, solitária.

- Pare de sonhar e me ajuda a arrumar as coisas.

Pandora estava aflita e apressada. Colocava as roupas nas malas como se estivesse fugindo de uma catástrofe. Tecnicamente, era isso mesmo que acontecia. Mas eu estava em outro momento. Já havia decidido que seria o último a partir. O último ser humano a pisar na Terra. O derradeiro homem a respirar o ar que muita gente poluiu.

- Você está louco! Fique aí então, vou com a nave cargueira!

Em poucos segundos, Pandora deixou a pressa de lado e começou a chorar. Sentia a mesma saudade da Terra que tantos outros. Muita gente priorizou o próprio conforto ou a sobrevivência de parentes. Mas a maioria estava com aperto no coração por deixar o planeta. As pessoas gostam dele. Uma foto de uma pessoa na natureza é admirada, elogiada, e transmite toda a felicidade que o momento pode ter. A mesma foto, tirada em um ambiente fechado, como um escritório, é vazia, sem vida.

Chamando a mim de maluco, Pandora resolveu me acompanhar na viagem. Como cientista, fiquei com a missão de registrar o final da odisseia terrestre. A humanidade mudou de casa. Da Terra para Marte, onde alguns já moravam há alguns anos. Pelos meus cálculos, o planeta natal da humanidade deve ficar inabitável por, no mínimo, duzentos anos. Só então o ar irá se estabilizar, a chuva voltará a cair, e a vida voltará a florescer.


Um primeiro terremoto foi o sinal para a penúltima nave partir. Levando consigo cinco mil pessoas, mais pertences, animais e veículos. Câmeras instaladas em diversos pontos do planeta, e cujas imagens eram transmitidas ao meu computador, mostravam que as placas tectônicas não paravam mais de se mexer. Os vulcões entraram em erupção e os mares estavam sem condições de navegação, caso ainda existisse algum homo sapiens por ali.

A nave cargueira já estava fora de vista a olho nu, quando outros tremores mais fortes começaram a me amedrontar. Fiquei ali, olhando ao redor, sentindo a última brisa, vendo as densas nuvens, pensando no que escreveria sendo último homem a estar na Terra.

- Pandora, é o nosso amor na última astronave. Eu serei Adão e você será minha pequena Eva – ri.

Já tensa com a viagem, ela nem deu ouvidos. Deixou de lado toda a inteligência do jogo de palavras. Veja só que genial, os primeiros e os últimos habitantes terráqueos deveriam se chamar de forma igual. Fecharia um ciclo.

Resolvi ficar calado. Os derradeiros segundos na obra mais perfeita da natureza, de Deus, dos átomos, ou seja lá de quem ou do que for. Era hora de partir. Não consegui conter minhas lágrimas. Além do infinito eu vou voar, sozinho com minha amada.

- Meu planeta, adeus.

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