Este texto é baseado na música Eva, cuja versão mais famosa está na voz de Ivete Sangalo, quando ainda cantava na Banda Eva.
- Meu amor, olha só! Hoje o sol não apareceu.
Foi assim que minha amada me acordou, naquele domingo, dia
09 de setembro de 2398. Após anos de pesquisas, de alertar a todos sobre o dia
em que os gases não deixariam a luz do sol iluminar a superfície, tive o meu
momento de certeza, da glória interior que tudo isso causa.
É o fim da aventura humana na Terra. Tive sorte que um homem
influente confiou no meu trabalho. Um ministro brasileiro abraçou a causa que
levantei, e levou minhas pesquisas aos centros de estudos climáticos mais
respeitados. Todos viram que meus dados faziam sentido.
A sorte é que já havia gente morando em Marte. O que as
autoridades fizeram foi antecipar os planos de mudança de toda a humanidade.
Apenas acelerei o processo. Por mais doloroso que seja deixar nosso planeta,
era uma questão de sobrevivência.
O clima era silencioso. Calmo até demais. A pouca
luminosidade que passava pela camada gasosa deixava o ambiente em um vermelho
parecido com o que as pessoas viam nos filmes antigos sobre outros mundos. O
cheiro era ruim. Podridão, sujeira,
carniça. Esquecemos todos os limites naturais para benefício próprio. E
conseguimos: a humanidade sobreviveu, solitária.
- Pare de sonhar e me ajuda a arrumar as coisas.
Pandora estava aflita e apressada. Colocava as roupas nas
malas como se estivesse fugindo de uma catástrofe. Tecnicamente, era isso mesmo
que acontecia. Mas eu estava em outro momento. Já havia decidido que seria o
último a partir. O último ser humano a pisar na Terra. O derradeiro homem a
respirar o ar que muita gente poluiu.
- Você está louco! Fique aí então, vou com a nave cargueira!
Em poucos segundos, Pandora deixou a pressa de lado e
começou a chorar. Sentia a mesma saudade da Terra que tantos outros. Muita
gente priorizou o próprio conforto ou a sobrevivência de parentes. Mas a
maioria estava com aperto no coração por deixar o planeta. As pessoas gostam
dele. Uma foto de uma pessoa na natureza é admirada, elogiada, e transmite toda
a felicidade que o momento pode ter. A mesma foto, tirada em um ambiente
fechado, como um escritório, é vazia, sem vida.
Chamando a mim de maluco, Pandora resolveu me acompanhar na
viagem. Como cientista, fiquei com a missão de registrar o final da odisseia
terrestre. A humanidade mudou de casa. Da Terra para Marte, onde alguns já
moravam há alguns anos. Pelos meus cálculos, o planeta natal da humanidade deve
ficar inabitável por, no mínimo, duzentos anos. Só então o ar irá se
estabilizar, a chuva voltará a cair, e a vida voltará a florescer.
Um primeiro terremoto foi o sinal para a penúltima nave
partir. Levando consigo cinco mil pessoas, mais pertences, animais e veículos.
Câmeras instaladas em diversos pontos do planeta, e cujas imagens eram
transmitidas ao meu computador, mostravam que as placas tectônicas não paravam
mais de se mexer. Os vulcões entraram em erupção e os mares estavam sem
condições de navegação, caso ainda existisse algum homo sapiens por ali.
A nave cargueira já estava fora de vista a olho nu, quando
outros tremores mais fortes começaram a me amedrontar. Fiquei ali, olhando ao
redor, sentindo a última brisa, vendo as densas nuvens, pensando no que
escreveria sendo último homem a estar na Terra.
- Pandora, é o nosso amor na última astronave. Eu serei Adão
e você será minha pequena Eva – ri.
Já tensa com a viagem, ela nem deu ouvidos. Deixou de lado
toda a inteligência do jogo de palavras. Veja só que genial, os primeiros e os
últimos habitantes terráqueos deveriam se chamar de forma igual. Fecharia um
ciclo.
Resolvi ficar calado. Os derradeiros segundos na obra mais
perfeita da natureza, de Deus, dos átomos, ou seja lá de quem ou do que for.
Era hora de partir. Não consegui conter minhas lágrimas. Além do infinito eu
vou voar, sozinho com minha amada.
- Meu planeta, adeus.
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