- Para onde vamos agora? – Fabio insistia em tentar tirar
seus colegas do sério.
Hans sequer se importou com o comentário do colega. Estava
aprendendo aos poucos a ignorar as idiotices que Fabio pronunciava, ora para
descontrair o ambiente, ora para extravasar sua agonia. O ex-delegado
anti-sequestro, mesmo trabalhando no D.E.I.S., que investiga acontecimentos
fora do comum, era incrédulo quando o assunto era paranormal. Na primeira
missão, quando confrontaram um lobisomem em um condomínio de luxo, havia passado
boa parte do confronto com a criatura desacordado, cabendo a seus colegas
resolver a situação.
Raquel estava em silêncio. Após dois dias de folga para
entender o caso anterior, sentia-se mais preparada para os desafios que, tinha
certeza, viriam em seu novo cargo. Já aceitava o fato que sua vida talvez
sofresse mais riscos do que antes, quando era “apenas” uma policial civil. Hans
a havia orientado para não duvidar mais, não pensar no impossível, e nem de
buscar o porquê dos acontecimentos – eles aparecem e ponto. O objetivo do grupo
não seria limitar ou censurar o que não é de conhecimento da população, e sim
evitar que machuquem as pessoas. Desta forma, somente chegaram ao caso do
lobisomem pelas vítimas, e não pela sua causa.
Já Fabio ainda não se sentia à vontade naquela situação.
Contava os casos que havia resolvido em seus detalhes, para ganhar confiança,
mas só importunava seus colegas. Tanto que Hans decidiu antecipar a
apresentação do caso, mesmo ainda estando no carro em movimento.
- Estamos indo para Guarulhos. Há relatos de que um objeto
caiu em uma das casas ao pé da Serra da Cantareira. Nós vamos investigar isso.
- Cantareira, não foi lá que os Mamonas Assassinas morreram?
Talvez os fantasmas deles estejam assustando os moradores de la…
Com um grito, Raquel pos fim à piada. Ao pararem em um posto
na estrada, Hans teve uma conversa a sós com Fabio.
- Você não é obrigado a estar aqui. Pouco ajuda nas
investigações, faz comentários fora de hora. Se não quer nos auxiliar, não nos
atrapalhe, shit.
Fabio ficou em silêncio ouvindo o sermão do irlandês. No
fundo, acreditava que seus colegas não podiam ser levados a sério, que as
coisas que estavam investigando não existiam. Devia ser algum teste do
Governador para um novo cargo, afinal, sua atuação na divisão anti-sequestro o
credenciava a uma promoção.
- Neste caso, não atrapalharei. Vou pegar um táxi. Estarei
na base, caso precise.
XXX
Hans e Raquel chegaram à casa para fotos e questionário com
os donos. Foram recepcionados pelo casal dono da propriedade, que se parecia
com uma chácara, de estrutura simples. A casa era pequena, com dois quartos, um
banheiro, sala e cozinha. O quintal era muito grande, tinha um pomar, uma horta
e um casebre, onde o dono alegou guardar ferramentas para agricultura. Hans
insistiu para verificar o local, mas foi impedido com certa rispidez. Desta
forma, concluíram o trabalho naquele local, e deixaram a chácara, sob olhares
pouco amigáveis.
Já no carro, Hans percebeu ser seguido por um outro carro, mas
ficou em silêncio para não deixar Raquel em alerta. Ela havia reclamado de uma
dor de cabeça muito forte enquanto estavam na chácara, especialmente quando
foram perto do casebre misterioso, por isso estava em silêncio e com os olhos
fechados.
Quando o carro que seguia os agentes deu sinal, Hans
encostou em uma calçada. O outro parou bem atrás, de onde desceu um homem de
terno e gravata.
- Bom dia, vocês são da polícia? – o homem perguntou.
- Sim, o que deseja?
- Sou filho do casal que vocês acabaram de visitar. Gostaria
de conversar um pouco.
Por conta da simpatia do rapaz, fazendo um contraponto à
rispidez dos donos da chácara, Hans aceitou conversar alguns minutos. O papo
foi produtivo, o engravatado revelou que viu uma luz descer na propriedade do
casal quando estava nas redondezas e, desde então, eles mudaram radicalmente de
comportamento. Eram alegres e solícitos, e se tornaram frios e grosseiros. Os
vizinhos cortaram os contatos, a família não os visitava mais. Por fim, o
garoto se mostrou à disposição para futuras conversas, queria ver o caso
solucionado.
Hans queria voltar imediatamente à chácara, para ver
exatamente o que estava acontecendo. Vasculharia cada canto, entrevistaria os
donos com mais profundidade e invadiria o casebre, se necessário. Mas Raquel
não quis, alegando estar com a dor de cabeça em um estágio insuportável. Desta
forma, ela talvez atrapalhasse a investigação e não auxiliaria em um possível
confronto físico. O estrangeiro concordou, e foram a um hotel na região central
da cidade.
Após chegar ao quarto, Hans deixou um recado no celular de
Fabio. Dizia para o agente ficar atento a uma possível emergência, e que talvez
precisasse de ajuda. O ex-delegado riu quando ouviu a mensagem.
XXX
No dia seguinte, Raquel estava completamente curada da dor
de cabeça. Hans fez questão que a moça tivesse alimentação e descanso
adequados, pois voltariam naquele dia mesmo para a chácara. Alertou-a também
sobre o aviso que deixou no celular do Fabio, para que ela entrasse em contato
com o colega caso necessário. Feito isso, carregaram suas respectivas armas, e
rumaram ao pé da serra.
Ao se aproximarem do local, Raquel já sentia sua cabeça
latejar novamente, mas preferiu esconder isto de seu companheiro. Hans estava
concentrado em desvendar aquele mistério, desmascarar o casal e dar um parecer
a seus superiores sobre as atividades do D.E.I.S. de São Paulo naquela região.
Os dois agentes foram recebidos com gritos e ameaças do
casal de idosos. Sem se importar, Hans andou em direção ao casebre, mas foi
empurrado pelo dono da propriedade. Neste momento, Raquel sacou a arma e deu
voz de prisão a ambos que, desolados, se ajoelharam a começaram a chorar,
implorando para que a porte não fosse aberta. Hans, já de pé, limpou sua camisa
com alguns tapas e abriu a porta de madeira do local misterioso. Ao abrir,
Raquel caiu com as mãos na cabeça, gritando de dor.
Sem se importar com a colega, Hans ficou paralisado com o
que viu. Uma fuselagem de cor prateada, um tanto amassada, em forma de disco.
Ao fundo da barraca, uma cama de hospital, com um lençol cobrindo uma figura
que, ao olhar rápido, parece de uma criança. Aproveitando a distração do
irlandês, o casal de idosos atacou-o, mas levaram desvantagem no confronto.
Novamente em pé, Hans correu para a maca, e tirou o lençol. Viu a figura de uma
menina ruiva, com algumas sardas no nariz, de olhos fechados, como se dormisse
tranquilamente.
- Não pode ser – Hans levou as mãos ao rosto. É a minha
filha!
O investigador afastou-se a passos lentos, incrédulo com a
situação. Raquel, mesmo ainda com muita dor, começava a levantar. Viu o casal
de idosos desmaiado no chão e olhou ao redor, além de seu superior chorando
muito. Sua cabeça parou de doer repentinamente, quando ouviu um grito de um
homem. Era o filho do casal, que se aproximava com as mãos na cabeça, da mesma
forma que ela estava há dois segundos. Mas os gritos se acalmaram, o que viu
foi um olhar estranho vindo do rapaz.
- Hans, cuidado!
Mesmo com o alerta de Raquel, o irlandês não conseguiu
desviar do ataque do filho do casal. Derrubado, levou alguns socos até que seu
agressor fosse imobilizado por Raquel, que o tirou de cima de seu colega, e
iniciou uma troca de socos. Hans só teve tempo de pegar seu celular e ligar
para Fabio. Após uma chamada, foi a vez de o experiente agente ser domado por
uma dor forte em seu cérebro. Neste mesmo momento, o rapaz que lutava com
Raquel ficou imóvel, de repente, o que permitiu a ela derrubá-lo.
Agora Hans chorava de dor na cabeça e pela imagem da filha.
Estava praticamente fora de combate, agachado e com as mãos na cabeça. Restava
a Raquel enfrentar a criatura. Ela não havia entendido como o estrangeiro vira
sua filha na cama, pois o que via era uma figura marrom, com olhos vermelhos,
sem pelos, e totalmente imóvel. A agente sacou a arma e apontou para o ser
estranho. “Deixe Hans em paz”. Nada aconteceu, o irlandês continuava a gritar
de dor. “Deixe ele agora!” e disparou. O tiro pegou de raspão na criatura, que
soltou um grito em um tom jamais ouvido por ela. No mesmo instante, a fuselagem
ao lado da criatura teve suas luzes acesas, e novamente um barulho estranho, de
baixo volume, mas de incômodo enorme, pôde ser ouvido. Isso fez com que Raquel
tivesse forças apenas para tirar Hans da barraca, e cair com as mãos nos
ouvidos.
A nave, já com a criatura em seu interior, saiu da barraca e
começou a ganhar altitude. Mas apagou as luzes, ficando totalmente invisível,
quando sirenes começaram a ser ouvidas. Como um vulto silencioso, sumiu dos
arredores da chácara. As sirenes eram dos carros da polícia de Guarulhos,
acompanhada por Fabio.
- Ora, ora, o que temos aqui? Parece que o gringo andou se
desentendendo com o pessoal mais velho.
No caminho de volta a São Paulo, Raquel perguntava a todo
instante o que havia acontecido. Hans limitou-se a dizer que era uma “criatura
com poderes psíquicos incríveis”. Como Fabio estava com o MP3 no ouvido, não
participou da conversa. Mas ficou a viagem inteira se vangloriando por ter
salvo o dia.
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