sábado, 15 de janeiro de 2011

Vida e morte de Élton, o vidente – primeira parte



Já dizia o ditado: Deus dá asas a quem não sabe voar. Temos exemplos aos milhares pelas ruas. Pessoas que não sabem lidar com dinheiro ganhando fortunas. Maus motoristas com os melhores carros. Pessoas incompetentes sendo promovidas. Carentes ávidos por amor sem qualquer tipo de relacionamento. Solteiros convictos, sem a vontade de se apaixonar, com uma fila de pretendentes.

Posso me encaixar nesta lista. Élton - o garoto do subúrbio que queria apenas melhorar de vida, trabalhando das 8 às 18, ganhando o suficiente para viver com dignidade, sem ninguém para encher o saco - ganha um dom precioso.

A primeira vez que vi o futuro foi quando estava prestes a dar o primeiro beijo. Conheci uma garota numa festa infantil, destas de fundo de quintal com salgadinhos e doces caseiros. No momento em que a vi, passou pela minha cabeça um flash de toda a cena em que alguém tocava meus lábios pela primeira vez. Fiquei confuso, achei que era uma imaginação involuntária. Horas depois, a cena que havia visto, como um espectador dentro de um cinema vazio, se passava comigo. Todos os detalhes estavam lá: o sorriso da garota após descobrir que seria a minha primeira vez, o meu olhar espantado, os colegas escondidos a observar o ato. A diferença entre a previsão e o fato foi que neste último pude sentir todo o processo – ansiedade, o toque dos lábios, o hálito da garota, os risos dos outros.

Depois o flash passou a ser comum. Eu apenas não sabia em quanto tempo ele se realizava. O máximo que demorou foram sete dias. Aprendi a distinguir a premonição da pura imaginação com o tempo. A maioria das vezes que imaginava, ficava feliz. A premonição me deixava uma pulga atrás da orelha, tamanha a dúvida do que significava, se iria realmente acontecer ou se deveria fazer algo para evitar. Aprendi a conviver com isso tudo.

***

Passei a ganhar dinheiro com o dom. Fiquei famoso no bairro, e uma astróloga me convidou para trabalhar com ela. Era uma relação puta-cafetão. Eu ganhava uma mixaria por consulta, embora apenas metade das previsões eram corretas (jamais ouvi reclamações, diga-se).

Naquele emprego aprendi que a maioria dos videntes são charlatões. Mas existem os verdadeiros. É igual a qualquer profissão: há os bons e os que enganam os outros. Normalmente os talentosos se destacam e progridem na vida, muito embora tenham que driblar puxões de tapete dos concorrentes – que podem estar na mesa ao lado.

Outra percepção que somente a experiência me ensinou foi dar ao cliente apenas metade do que poderia oferecer. Ou tudo o que ele quiser ouvir. Aconteceu com um rapaz certa vez. Logo que apertei sua mão, vi coisas que jamais havia imaginado que veria em toda a minha vida. E abri o jogo:

- Escuta, vou ser franco. Você irá desviar uma grande quantia da empresa em que trabalha. Depois disso é incerto. Mas não quero conversar mais, pessoas como você me enojam. Por favor, saia.

- Não sei como você acertou minhas intenções – o rapaz respondeu. Mas irei sair.

Dias depois, ele contratou uma consulta a domicílio (pagou o dobro, embora eu não tenha visto boa parte do dinheiro). Ao chegar, me mostrou fotos. Eram de um time de vôlei.

- Eu era o melhor deste time. O pai de um amigo me prometeu conseguir um grande time para eu jogar. Por isso minha mãe deu todas as economias para ele, como adiantamento para viagens e hospedagem. Fiquei um mês na capital e machuquei o joelho, e minha carreira foi por água abaixo. O desgraçado simplesmente sumiu, deixando-nos a ver navios. Anos mais tarde, me ofereceu um emprego em uma das empresas que havia aberto (provavelmente com o dinheiro da minha família), talvez para se redimir. Como sou de confiança, tenho acesso à milionária conta deste homem.

Uma lágrima, apenas caiu de seus olhos. Continuou:

- Com o dinheiro, vou levar a minha mãe para outro país, com outro nome, outra história. Quando fui a seu encontro, apenas queria uma opinião sobre o que deveria fazer. Mas agora já está feito. Por favor, não me julgue por tudo isto.

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