terça-feira, 9 de março de 2010

Amor através das tintas


João tinha certeza que Maria voltaria para seus braços, um dia. Por isso, quando terminaram o relacionamento, não houve choro, raiva ou briga, apenas um ponto final (sem hipocrisia, todos sabiam que seria temporário).

O rapaz tinha seus motivos: sabia que Maria se apaixonara pelo artista plástico João; ela gostava da pessoa que expressava suas idéias e sentimentos nas pinturas; ela se interessava pelo indivíduo que mostrava sua visão do mundo nas esculturas que criava; ela admirava o artista que soava inteligente, realista, fluente e criativo nas entrevistas que concedia. Porém, conhecia o homem João, o ser humano João.
O homem João é sensível, carinhoso e carente de atenção. Gosta de ser paparicado, ter suas vontades realizadas ao mesmo tempo em que sente prazer em retribuir a atenção dedicando-se quase por completo à mulher amada.
Já Maria é independente. Em função da profissão de jornalista e crítica de arte, morou em cinco capitais brasileiras. Não gosta de ser manipulada, corrompida, contrariada e tem personalidade forte, o que, somados à sua exuberante beleza (atributos físicos estes, ausentes em João), a deixam tranqüilamente em um patamar de diva.

Após a separação, continuaram a se encontrar em exposições, congressos e palestras Brasil afora. Conversavam o estritamente necessário, e sobre trabalho, apenas. Obviamente, a saudade e o vazio eram sentidos, as lágrimas eram derramadas, a vontade quase irresistível de ouvir a voz do outro era estampada em suas faces. Porém, João confessava aos amigos de bebedeiras, que diante de tudo o que fez por ela, de tantas vezes que havia corrido atrás dos interesses dela, era obrigação de Maria pedir perdão e implorar de joelhos para voltarem a namorar.
Para concretizar as vontades de João, era necessário tempo, paciência, muita paciência. O artista acreditava que, trabalhando, passaria melhor e mais rápido o tempo. E assim o fez, preparando uma exposição. Os poucos que viram os quadros perceberam um uso excessivo de tintas escuras, desenhos que remetiam a sentimentos tristes, depressivos.

Maria também fez do trabalho sua válvula de escape. Visitou a Europa, para conhecer uma nova geração de expressionistas franceses. Não gostou de nenhum deles, e não poupou-os em seus textos críticos. Pensou em tirar férias, escrever um romance, sair da rotina que a atormentava.

Faltando uma semana para a estréia da nova exposição de João, Maria enviou-lhe uma carta. Dizia que, após viver meses sozinha, percebeu que faltava-lhe algo; um vazio imenso e uma saudade imensa dos carinhos particulares de João preenchiam seu peito. Disse também que sentia falta das flores e dos quadros exclusivos que enfeitavam a relação e deixava a casa cheia de cores vivas e fortes. Sentia falta das palavras sussurradas de carinho, e também do silêncio, onde os olhares diziam tudo.
Marcaram um encontro. Após jantarem e conversarem por várias horas, João (instintivamente) conduziu Maria até seu ateliê; ao ver os quadros sombrios, a jornalista proferiu que “como crítica, diria que é o fim da carreira de um brilhante artista. Como mulher, o fim da vida de um homem”. Abraçou João e disse que o amava.
No dia seguinte, o pintor cancelou a exposição (todos os ingressos dos três primeiros dias vendidos antecipadamente), e iniciou a pintura de novos, coloridos e vivos quadros. Essa nova exposição foi considerada a melhor de toda sua carreira, opinião unânime no mundo todo.

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