segunda-feira, 15 de março de 2010

A Chegada


Chegar em segundo lugar não foi uma derrota para mim. Mesmo que sempre tivesse como lema o “tudo ou nada”, aprendi com o tempo a aceitar as derrotas. Sim, o segundo lugar foi uma derrota, ninguém vai me convencer do contrário. Por outro lado, os olhares tortos dos adversários (exceto do primeiro colocado, que preferiu degustar o champanhe e abraçar as mulheres) e a surpresa dos espectadores me deixou muito contente. O Boné veio me abraçando como se tivesse chegado em primeiro.

- Mandou muito bem, rapaz! Toma, esta é a sua parte.

Sequer imaginei que aquela corrida valeria dinheiro. Concordo, pura ingenuidade de alguém que só assiste a Fórmula 1, porém sempre me imaginei trancado num escritório e acordando com o despertador todas as manhãs. Talvez a quantia que ganhei não seja sequer metade do que o primeiro faturou, ainda mais porque o Boné pegou uma comissão por ter me inscrito. “Apostei no seu talento, cara, a partir de hoje serei seu agente!” repetia a cada cinco minutos.

Preferi parar de correr por aquela noite, para me manter sob bons olhares. Embora o Boné não concordasse (não conhecia o lado ganancioso dele, mas àquela altura nada mais era surpresa), aceitou minha posição, e tratou de realizar os trâmites para as próximas corridas.

A semana passou devagar, dada minha ansiedade pelo fim de semana seguinte. Deixei de pensar em outras coisas: futebol com amigos, cinema com a ficante. Até cerveja eu parei de tomar, dado meu comprometimento com aquela nova “profissão”. Em algumas madrugadas, ia até a estrada e treinava arrancadas. Comprei um simulador de corrida para o computador. Tudo em prol da grana que queria ganhar, e tinha certeza que poderia.

O sábado chegou e tratei de ir à Paulínia. Ao me ver no portão, o Boné já gritou “hoje não tem corrida para você!” Fiquei surpreso, e ele me explicou, após abrir o portão.

- Os iniciantes só correm no primeiro e no terceiro final de semana do mês. O segundo e o quarto são para os profissionais.

- E se houver um quinto final de semana?

Boné riu e soltou alguns xingamentos, respondendo à minha provocação. Ainda assim, ele iria ao bar para acompanhar a corrida dos profissionais.

Chegando ao mesmo, notei um olhar diferente dos frequentadores. Agora me reconheciam, embora ainda não soubessem meu nome. Tinham consciência do que sou capaz. Alguns arriscaram um aceno, já as mulheres davam sorrisos com o canto da boca. Mas eu estava interessado mesmo era na corrida. Até pensei em apostar no carro que mais me agradara, mas preferi não arriscar. O Boné havia me deixado de lado e eu, apenas com uma cerveja na mão, observava o grid de largada. Havia um carro, muito bem modificado, com um adesivo escrito “Simão’s car”. Achei de um mau gosto tremendo, mas logo vi que o rapaz sabe chamar a atenção. Durante a apresentação, acenou ao público com ares de vencedor, e durante a corrida não deu qualquer chance aos adversários. “Esse Simão é o cara!” bradava Boné, que me explicou o quanto era difícil entrar no “circuito profissional”.

Eu estava mais preocupado com o dinheiro que poderia ganhar no final de semana seguinte do que a possibilidade de entrar para o tal circuito, quem diria correr contra o Simão. Mas várias pessoas, que me adicionaram no Orkut, me contaram que o melhor corredor havia ficado impressionado com a minha corrida. Outro disse que aquele para o qual perdi o primeiro lugar já era profissional, mas que corria entre os iniciantes apenas para ganhar dinheiro.

Os finais de semana foram passando. A cada corrida, não chegava em uma colocação pior que o terceiro lugar. Assim, o dinheiro foi entrando. O Boné passou a me tratar mais como sócio do que como amigo, mas isso não me preocupava. As mulheres começaram a se aproximar, meu carro tinha cada vez mais acessórios e as pessoas me reconheciam onde quer que eu fosse. Talvez fosse hora de pleitear uma vaga no circuito profissional.

Melhor do que isso. Entre algumas corridas, estava conversando com o Boné quando o tal Simão chegou perto, e com tom de voz baixo e respeitoso, me desafiou para um duelo. Meu agente levantou a voz, recusando a proposta. Mas Simão continuou provocando, ao ponto de eu não conseguir mais recusar o “convite”.

- Você tem um calendário?

Peguei o celular e abri o que ele pediu.

- Como pode ver, este mês temos um quinto final de semana. A regra nesta espelunca é que esses finais de semana são para os duelos. Está marcado então, semana que vem nos veremos aqui.

Financeiramente, a aposta feita não era ruim, mesmo se eu perdesse a corrida. Alguns apostam o que têm. Eu e boné usamos a inteligência e apenas apostamos os valores dos espectadores. E considerando que Simão sempre atrai um excelente público, e eu estava começando a ficar famoso, seria interessante este duelo. E que vença o melhor.

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