quarta-feira, 28 de abril de 2010

O Entregador



As regiões centrais das grandes cidades sempre guardam surpresas, algumas agradáveis, como algum produto ou serviço de baixa divulgação (e alta necessidade), outras nem tanto, como pontos de vendas de drogas e porões sujos. Pude ver estes dois lados da mesma moeda na semana passada, e por conta desta visita ocasional pensarei umas dez milhões de vezes antes de circular pelo centro de minha cidade.
Eram duas da tarde, de um dia nublado, sem frio ou calor. Qualquer roupa usada estaria de bom aconchego. Após almoçar em um dos tradicionais restaurantes, destes que têm fotos em preto e branco dos primeiros proprietários decorando as paredes, resolvi comprar algumas roupas, destas simples para caminhar ou mesmo encostar na rede da varanda. Nada melhor que pesquisar os preços no Centro, já que as lojas dos shoppings têm seus valores maiores, tanto para pagar o abusivo aluguel, tanto para dar um status ao fino frequentador.

Após algumas lojas serem olhadas, percebi que quem estava sendo observado era eu. Por homens, digamos, mal encarados. Para evitar desgastes, fingi ignorar o fato e continuei meu trajeto. Se eles quisessem realmente me assaltar, o fariam de qualquer jeito, pensei. E estava certo, pois fui cercado por quatro homens. O mais incrível é que ninguém na calçada parou ou pediu socorro.
Não fui assaltado. Um dos homens pegou meu braço e colocou uma pulseira em mim. Outro começou a dar instruções. “Você tem uma hora para entregar esta maleta. Se não cumprir, esta pulseira explodirá e, no mínimo, você terá seu braço decepado. O trajeto é simples. Entre naquela galeria, atravesse a janela da mulher dourada, e entregue a um senhor de paletó branco. Se necessário, ele dará mais instruções”.
Comecei a rir, desesperado. Além de ameaçado, tinha que decifrar enigmas. Mas vi que não tinha muitas escolhas e fui à tal galeria. A primeira dificuldade chegou com um (desta vez real) assaltante:

- Passa a pasta.
- Não posso.
- Pode sim, anda – encostou uma faca no meu rim.
- Já disse, não posso. Vão me explodir.
- E eu vou te furar.

Neste momento, não tive escolha senão bater com a pasta na cabeça do meliante. Se a encomenda fosse frágil, seria entregue em pedaços. Com meu oponente caído, corri para a galeria. Letreiros divulgavam os produtos de cada loja. Uma delas oferecia mulheres, e sem pensar, entrei; onde mais encontraria uma mulher dourada?

Como nas vitrines de Amsterdã (guardadas as devidas proporções), cada meretriz se exibia apenas em trajes íntimos. Até que encontrei uma que vestia dourado. A princípio relutei: seria o dourado referente à cor do corpo após uma tarde na praia, ou a seus adornos? Mas usei o instinto, afinal o tempo passava, e fui até a janela do seu quarto. A mesma dava para uma espécie de jardim, cercado pelas janelas dos outros escritórios. Em um deles, uma cadeira com um paletó branco pendurado, e um homem falando, em pé, ao telefone. Ignorei os gritos da garota e pulei no jardim, atravessando-o e chegando ao local.

- Bela pasta, rapaz.
- É para o senhor.- O homem abriu a pasta, pegou um dos tabletes, cheirou e sorriu.
- É cocada boa. Vou ficar com esta, o resto você entregue para o cafetão daquelas moças bonitas ali. Mas a mesa dele fica em outra sala, ao lado da loja de videogames.

Ri novamente de minha desgraça e corri de volta ao corredor da galeria. Aumentei a velocidade ao ver o rapaz que tentara me assaltar minutos antes me seguir. Não encontrava loja alguma de videogames, o suor já tomava conta de minha face, e o odor das axilas já beirava o caos. Foi quando a tal garota dourada me puxou para dentro de um dos estabelecimentos, pegou a mala de minha mão e entregou a um homem que ajeitava um charuto. O assaltante me alcançou, mas sob ordens berradas do cafetão, saiu cabisbaixo do lugar.

- Pronto, mercadoria entregue. Pode sair.
- Mas eu preciso me livrar deste bracelete.
- Você não vai conseguir. Faz o seguinte: vá até a praça onde te colocaram essa coisa cafona, e grite “eu consegui”. Quem sabe eles não ouvem?

Não comentei mais nada e voltei ao lugar. A minha vergonha era menor do que a vontade de viver. Sem noção do tempo, não sabia se já estava próximo ao limite da bomba. Gritei, dei pulinhos, mostrei a pulseira aos prédios ao redor. Todos olhavam para mim com tristeza. Mandei a opinião de cada um aos infernos e, em um determinado momento, uma trava soltou a bomba de meu braço. Corri daquele ponto, deixando a pulseira no chão. Com uma distância segura, voltei a andar e respirar. Foi quando ouvi um estrondo atrás de mim. Sem olhar para trás, apenas concluí que a bomba era verdadeira.


Texto originalmente publicado aqui

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