segunda-feira, 3 de maio de 2010

O Invasor



História baseada em fatos reais.

O dia havia sido difícil. Reunião com o chefe, cobrança dos acionistas, alguns clientes insatisfeitos. Só pensava em tirar os sapatos assim que colocasse os pés em casa. Afrouxar o nó da gravata e tomar um belo uísque para acalmar os ânimos seriam os passos seguintes, depois é que me dedicaria a preparar algo para comer e tomar um banho.

Eu até queria aproveitar o fato de minha esposa estar viajando. Há muitas formas de se fazer isso: chamando amigos para tomar uma cerveja, conseguir amigas para passar algumas horas em casa, ou mesmo aproveitar o silêncio e a privacidade total para simplesmente assistir à televisão. Mas aquela noite seria dedicada apenas ao descanso físico e mental. Nada como horas de ócio e marasmo para recuperar, nem que seja um pouco, as energias para o dia seguinte de trabalho.

Olhei alguns minutos para o teto, e senti o vento noturno incomodar minha pele. A janela do último quarto da casa estava aberta, assim como a porta da frente, construindo uma corrente de ar fria e silenciosa. Não costumo acender as luzes do quintal, ao contrário de minha esposa, pois penso em economizar energia (e dinheiro) o máximo que conseguir. Levantei e andei com calma até o quarto dos fundos. Atravessei o corredor e vi um vulto passando pela janela. Parei, assustado, e olhei com maior atenção ao quintal. Vi outro vulto e concluí que havia uma pessoa no meu quintal – e tive a impressão de que ela percebeu que eu a havia notado.

Não me preocupei com as janelas, porque todas tinham grades. Apenas corri para a sala para trancar a porta. Ofegante e trêmulo, consegui realizar a missão. Após girar as chaves, ouvi passos do outro lado: o meliante quase havia chegado antes de mim.

 - Não se assuste, Sr. Roberto. Só queremos dinheiro, nada mais. Ninguém sai machucado se o senhor cooperar.

Machucado? Cooperar? Queremos? Havia mais de um bandido desgraçado no meu quintal, então. Meu temor passou a aumentar a cada segundo, e instintivamente saí de perto da janela da sala, de forma que fiquei encostado em uma parede, fora do campo visual de quem estivesse do lado de fora. Continuei apenas ouvindo os passos do lado de fora.

- Seu Roberto, ajude a gente. Não vamos criar mais confusão por aqui, não é?

As falas irônicas continuavam, mas aos poucos o tom de impaciência tomava conta do monólogo (sim, porque apenas os vagabundos invasores falavam comigo). Muitas coisas passaram pela minha cabeça: será que os vizinhos estavam ouvindo? Deveria me entregar, e deixar que os assaltantes levassem o que quisessem em troca da minha vida?

- Senhor Roberto, esta é minha última oferta. Abra as portas, e nada de ruim vai acontecer com o senhor.

Neste momento peguei o celular, que estava no bolso de minha calça, e liguei para a polícia. Disse que havia dois homens no meu quintal, querendo me roubar. A atendente disse que passaria para as viaturas. Um pouco aliviado, quis ganhar tempo, e passei a conversar com as ilustres visitas.

- Não tenho muitos bens aqui. Meu patrimônio é pequeno, e está quase tudo no banco.
- Imagine, sr Roberto, eu só quero o notebook do senhor, além de cartões de crédito. Sei que o senhor tem três, cada um com limite acima dos três mil reais. A televisão de LCD e o aparelho de Blue-Ray também nos interessa. Vamos, faça essa gentileza com a sua vida.

Os caras sabiam de todos os meus bens. Desta forma fica difícil dialogar com eles.

- Mas estão todos financiados. Não tenho tanto dinheiro assim.
- Isso é problema do senhor. Tenho certeza que conseguira novos créditos na praça.

O jeito de falar deles era formal. Tinham bom grau de instrução, estudaram o perfil do assaltado. Eram profissionais. Não havia sinal da polícia. Por algum tempo pensei que estivessem armados, mas creio que não estavam, pois assim seria fácil dar um tiro no trinco da porta e liberar a passagem. Ou então estavam planejando guardar esta ação para mais tarde, já que o barulho dos tiros alertaria todas as casas ao redor. Medo. Impotência. Eu tinha que fazer algo, e a polícia tinha que chegar logo.

- Seu Roberto, o tempo está passando. Está um pouco frio aqui fora, acho que vou querer algum casado do senhor também – riram.

Desgraçados, ficaram fazendo piadas por um bom tempo. E eu já tinha desistido de esperar a polícia. Foi então que lembrei de uma tática de ouvi de algum conhecido, e não sei se era uma brincadeira ou um caso verídico. Sei que na hora do desespero, não tive outra saída senão apelar:

 - Alô, é da polícia? Olha, há alguns minutos liguei dizendo que havia invasores aqui em casa. Então, acabei de matá-los. Estou sujo de sangue, pode enviar o IML para cá?

Desliguei o telefone e três minutos depois, quatro viaturas chegaram em frente à minha casa com muito alvoroço e sirenes. Os policiais cercar o quarteirão, conseguindo pegar os bandidos – eram três – pulando o muro de um vizinho. Terminei a noite sem um arranhão sequer.



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