terça-feira, 16 de março de 2010

O Duelo


O público ovacionava Simão a cada acelerada, a cada gesto, a cada vitória. Eu me contentava com o fato de ele ter me desafiado, pois seria de motivação tanto para mim, um mero iniciante nestas corridas clandestinas, quanto para ele, necessitando de novas motivações. A graça no esporte é que ele se renova constantemente. No futebol, jogadores cada vez mais novos integram os elencos profissionais. Os mais velhos têm que usar de sua experiência para sobressair, e ganhar as disputas com inteligência, pois na correm mais do que os garotos. Assim, ao invés de correr mais, eles correm certo, e nisso há semelhança com as corridas. Creio que a pessoa mais velha dos circuitos era justamente… o Simão. Ele deve ter mais de 35 anos, apesar de se vestir e agir como um moleque. Mas ele não corre mais, ele corre melhor. Ele usa as marchas certas, no momento certo. Ele acelera de maneira mais contida, enquanto seus adversários vivem cantando os pneus. Na linha de chegada, a diferença é brutal.

Até entendo a juventude presente no desafio. Os mais velhos ganham seu dinheiro, encontram uma boa mulher, casam-se e vão morar em cidades mais calmas. Os jovens não têm este dinheiro, e precisam de uma afirmação para justificar sua existência. Bom, filosofias à parte, perdi o duelo. Talvez não estivesse buscando uma razão para ter começado a correr se não fosse por essa derrota. O que leva alguém a gastar seu tempo, por em risco sua vida para correr? Será que é o certo a se fazer?

Como já disse anteriormente, não bebia em dias de corrida. Ou seja, não são delírios alcoólicos. Entrei pelo dinheiro e pela fama, esta menos importante, agora que a tenho. Consegui juntar um bom dinheiro, num tempo recorde. Se trabalhasse, talvez levaria anos para conseguir poupar tanto. Conheci muitas pessoas, muitas pelo apelido. Lá, as identidades são secretas. Nunca as encontrei em parques, restaurantes, onde quer que seja. Devem ser gerentes, empresários, escritores. Mas lá, são apenas apostadores e corredores. Fiquei com muitas mulheres. As mais belas que jamais sonhei em ter. No mundo lá fora, devem ser modelos, atrizes, garotas de programa. É como se fosse um mundo paralelo.

Assim que percebeu que eu ia perder a corrida, o Boné fugiu. Com o dinheiro da aposta, que não era lá uma quantia muito alta, mas sobrou para eu pagar a dívida. O pior, não tinha um centavo no bolso, então tive que dar as roupas. Com a grana das corridas, comprava roupas, tênis e acessórios em lojas caras, sem me preocupar. Assim, o Simão fez uma avaliação, supondo os preços do que eu vestia. Tênis, 500 reais. Calça, 300. Corrente, 150. Casaco, 300 (era um dos mais baratos, mas eu o adorava). Relógio, 400. Soma total: 1650 reais. Só não levou a cueca porque… bem, eu não sei o motivo. Não fiquei seminu por conta de uma bermuda surrada que havia usado num churrasco, no dia anterior. Ela cheirava a cloro e cerveja, e não sei por que havia deixado no carro. Mas aposta era aposta, nem cogitei não entregar meus pertences ao Simão. Até porque, assim, ele não pensaria em pegar algo do carro, e isso eu não iria permitir.

Foi constrangedor. Todos (e principalmente, todas) me olhavam. Alguns com cara de espanto e pena. Outros por sarro. Ninguém se aproximou e ofereceu ajuda. A fama que eu havia conquistado já havia sido jogada pelo ralo. O dinheiro não era mais importante, até porque o valor daquela aposta era irrisório, e não faria falta para mim aqueles pertences materiais. O Boné sumiu com cerca de 1600 reais a troco de nada. Com certeza ele tinha mais, de outras apostas da noite. Eu só entenderia se ele tivesse dívidas com traficantes, ou algo parecido. O Simão comemorou a vitória com champanhe e a companhia de duas loiras. A minha derrota significou uma certa antipatia por todos. Não por mim, mas pelo Boné. Ali ele não voltaria mais. Talvez fosse o momento de eu fazer o mesmo.

Conto originalmente publicado no O Nerd Escritor, assim como as outras duas histórias sobre corridas

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